São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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A CPI chega ao fim... do começo

JARBAS PASSARINHO

Constituída a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para apurar utilização ilícita do Orçamento da União, deveria caber ao PMDB, pelo critério de proporcionalidade das bancadas, a sua presidência. Seus membros, porém, por unanimidade, preferiram não fazer a indicação, considerando que seriam investigados, certamente, vários dos integrantes do partido, alguns dentre os mais notáveis deles.
Então, o presidente do Congresso Nacional, senador Humberto Lucena, e o líder Mauro Benevides sugeriram meu nome para presidir os trabalhos. Raro exemplo de ética. Depois de breve hesitação, aceitei a penosa missão. Agradeci a confiança e me dispus a enfrentar a tarefa, uma das mais difíceis de minha vida parlamentar, senão a mais difícil.
Por iniciativa do senador Pedro Simon (PMDB-RS), foi aclamado para a vice-presidência o deputado Odacir Klein, também do PMDB gaúcho. Já o conhecia das lides legislativas. Sabia-o competente e sério, mas o convívio destes quase cem dias fez-me ver que Odacir Klein é mais que competente e sério. É honrado, leal, íntegro e excelente companheiro de trabalho.
Após relutância motivada por estímulos de natureza ética, o deputado Roberto Magalhães (PFL-PE) aceitou a indicação da liderança de seu partido para ser o relator. Outra conquista excepcional, homem de absoluta dignidade, ex-governador de Pernambuco, polido no trato mas inflexível diante de qualquer sinal de corrupção.
Enfatizo essa origem da mesa diretora da CPI porque credito, em grande parte, aos meus dois companheiros de direção o bom êxito na inspiração da confiança, na autoridade que fizemos reconhecer e no acatamento que granjeamos de todos.
Se fosse pouco salientar o bom começo, ainda valeria chamar a atenção para dois fatos: o meu partido indicou para minha suplência, na comissão, o nobre senador José Paulo Bisol, do PSB gaúcho; e o PMDB, mais uma vez desprendido, fez suplente o senador Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, que tomara a iniciativa de pedir a constituição da Comissão.
Vivemos meses de intensa e febril atividade. As tensões, por vezes, beiraram o irresistível. Pusemos o coração de lado, ignoramos as amizades, partimos à busca da verdade. Essa mesma verdade que Poncio Pilatos perguntou há quase 2.000 anos, o que era, na primeira eleição direta da era cristã, na qual o povo preferiu Barrabás e derrotou Jesus... Centenas de pessoas físicas e jurídicas tiveram seus sigilos bancário e fiscal quebrados. Expusemos, como alguns depoentes disseram, "as vísceras deles à mostra", não como Torquemada ou Fouquier-Tinville, mas no doloroso mister de pôr em evidência os atos e fatos praticados contra a dignidade com que deve ser exercido um mandato conferido pelo povo.
Sabíamos que não se tratava apenas, por importante que isso seja, de apontar para punição desonrosa quem ofendera o Congresso. Nossa missão era restaurar a confiança do eleitor na democracia representativa, pois se o povo não acredita nos representantes que ele mesmo elege, qual a alternativa senão o autoritarismo e a ilusão de que a ditadura purifica os costumes e obriga os homens à honradez?
Ouvimos por dezenas de horas, por vezes até por 14 horas, depoentes de toda natureza. Alguns verdadeiramente emblemáticos do Legislativo, cujas carreiras políticas prenunciavam-se magníficas, rumo até a Presidência da República. Ouvimos ministros de Estado e ex-ministros, uma dama inclusive. Ouvimos governadores, depois de consulta feita à Assessoria Técnica do Senado e, informalmente, à Procuradoria da República.
Varamos madrugadas. Tivemos momentos de grande tensão emocional e alguns que um austero juiz aposentado, o senador Bisol, aplaudiu chamando de "gotas de humor", já que somos uma Casa política, na qual a ironia e o gracejo que não se confundem com deboche ou galhofa têm papel relevante. Pessoas de mal com o mundo, que pensam ser austeros quando apenas estão desconfortáveis, criticaram essas facécias, ofendidos no seu falso pudor. Lembram o que Aldous Huxley retrata com sarcasmo: pensam que são respeitáveis porque guardam a postura severa dos bovinos quando estão ruminando.
Vencemos, pelo exemplo, os maledicentes, que diziam o tempo todo que a CPI ia "dar em pizza". Com esse dito vulgar, eram gente destinada à desmoralização pelos fatos. E como dizia repetidamente Petrônio Portela, "não se agridem os fatos". Estes são as dezenas de nomes importantes que a CPI, não porque desejasse inventar culpados, mas porque tinha o exato sentido de sua missão, encaminhou, ora para as Mesas das Casas do Congresso, ora para o Ministério Público, apontando-lhes o caminho do dever.
Haverá, ainda, os recalcitrantes que dizem nada termos feito, na medida em que não ouvimos em depoimento o deputado Miguel Arraes (PSB-PE) e a deputada Roseana Sarney (PFL-MA).
Nenhum acordo fizemos, nós da Mesa da CPI, ou do nosso plenário. Seguimos a rigidez dos critérios impessoais. Nossa prioridade era para o cruzamento das denúncias do sr. José Carlos dos Santos, em depoimento na CPI, com os nomes que apareciam nos papéis apreendidos na casa de um diretor da Norberto Odebrecht, ao lado de referências percentuais, o que gerava suspeição. Em nenhum desses casos se situavam o deputado e a deputada. Quem atingiu gravemente o maior partido do Brasil, o PMDB, quem pediu explicações a governadores, por que recearia os dois parlamentares citados?
Chegamos ao fim de nosso penoso trabalho certos de que tivemos a coragem moral nos três sentidos: apontar culpados, por poderosos que fossem; inocentar inocentes, por mais humildes que sejam; e não servir a interesses políticos menores e mesquinhos. Atingimos o fim...do começo. A sequência cabe ao Congresso e ao Ministério Público.

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