São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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O sentimento do dever cumprido

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Neste dia tão importante de conclusão dos trabalhos da CPI do Orçamento sinto-me com a alma lavada. Desde os primeiros meses no Senado, junto com outros companheiros, fomos detectando os sinais de como a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização era utilizada por alguns parlamentares muito mais para atender os interesses de alguns grupos econômicos privados ou deles próprios, tanto do ponto de vista patrimonial quanto eleitoral, do que propriamente o interesse público.
Na ocasião da primeira reunião da Comissão Mista do Orçamento em 1991, realizada para a eleição de seu presidente e a designação dos parlamentares que a compuseram, a bancada do PT questionou o fato dos mesmos representantes ocuparem, ano após ano, os postos chaves na comissão.
Em junho de 1991, quando do encaminhamento da votação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 1992, apontei distorções: diversos municípios, em especial na Bahia, haviam recebido no ano anterior recursos orçamentários que, em termos per capita, superavam a casa dos US$ 1.000 ou até US$ 2.000, enquanto outros, em número muito maior, recebiam menos de US$ 20 e com frequência zero. As vésperas das eleições presidenciais de 1989, resolvi verificar se os parlamentares com grande poder de influência na Comissão Mista de Orçamento estavam destinando recursos de convênios, de forma irregular, para suas bases eleitorais.
Assim, em outubro de 1991, encaminhei o Requerimento n.º 774/91 ao Tribunal de Contas da União solicitando auditorias em diversas prefeituras que haviam realizado convênios no ano eleitoral de 1990, municípios onde, por coincidência, o deputado João Alves, relator geral do Orçamento daquele ano, recebera de 20% até 40% dos votos para deputado federal.
O senador Saldanha Derzi (PRN-MS) também encaminhou semelhante requerimento, solicitando, entretanto, que o TCU estendesse a auditoria para todos os convênios dos Ministérios da Ação Social e da Agricultura e Reforma Agrária em todos os municípios brasileiros, o que resultou em não se encontrar qualquer irregularidade.
Também em outubro de 1991, com os deputados José Genoíno (PT-SP) e Paulo Hartung (PSDB-ES), encaminhamos representação ao procurador geral da República, solicitando abertura de inquérito por indícios de irregularidades ocorridas na intermediação de recursos públicos pela Seval - Serviços de Assessoria Ltda. O dr. Aristides Junqueira determinou a abertura de inquérito cujas conclusões foram incorporadas pela CPI.
Por iniciativa do deputado Jacques Wagner (PT-BA), em dezembro de 1991, encaminhamos requerimento ao presidente do Congresso Nacional, pedindo a criação de CPI para apurar irregularidades sobre procedimentos no repasse de recursos públicos federais por meio de convênios a municípios. O requerimento foi arquivado.
Em abril de 1992, com o deputado Eduardo Jorge (PT-SP), solicitamos ao presidente do Senado, que se apurasse a responsabilidade por alterações ocorridas no Orçamento de 1992 após a sua aprovação pelo Congresso Nacional. Em 16 de junho de 1992, com o senador Pedro Simon (PMDB-RS) e outros parlamentares, comunicamos o resultado de levantamento mais completo sobre o número de emendas incluídas na versão final do texto da Lei de Orçamento da União de 1992, que não haviam sido aprovadas até a votação da Redação Final, em 19 de dezembro de 1992.
Em 18 de outubro de 1993, a "Veja" publicou a entrevista do sr. José Carlos Alves dos Santos, uma verdadeira "notitia criminis". No mesmo dia consultei Pedro Simon sobre a redação do requerimento para a constituição da CPI que se conclui hoje. Três dias depois, 20 de outubro de 1993, a comissão instalou-se, promovendo uma das mais profundas investigações que um Parlamento no mundo fez sobre si próprio.
A Subcomissão de Emendas, consensualmente, aprovou o relatório sobre a questão das emendas incluídas irregularmente após a aprovação da redação final do Orçamento de 1992. Foram desvendados os esquemas das subvenções sociais, das empreiteiras e das empresas de intermediação.
Com todas as pressões havidas, o conjunto da CPI, corajosamente, chega ao desvendar dos fatos e à denúncia dos responsáveis. Falhas ocorreram, às vezes, pela determinação de averiguar todas as hipóteses possíveis. Se injustiças estiverem sendo cometidas, serão em relaçao a alguns sobre os quais ainda não se descobriram evidências de comprometimento.
A CPI sobre PC Farias detectou os podres do funcionamento do Executivo. Esta, os do Legislativo. Creio que todos podemos nos sentir com o sentimento do dever cumprido. Mas o trabalho não se completará se viermos a permitir que os recursos de um povo, em grande parte ainda tão miserável, seja mais uma vez utilizado para o enriquecimento ilícito.

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