São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 1994
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A reengenharia da ordem social no Brasil

GILBERTO MIRANDA
A REENGENHARIA SIGNIFICA FAZER MAIS COM MENOS RECURSOS

O conceito mais moderno em uso no meio empresarial é, sem dúvida alguma, o de reengenharia. Trata-se de uma poderosa noção que indica repensar os fundamentos do negócio, redesenhando seus processos, para obter sensíveis melhorias no desempenho empresarial.
Reengenharia não significa reestruturar ou cortar custos. É muito mais que isso! Uma reestruturação, uma redução nos custos, apenas indica que o empresário estará produzindo menos, a partir de um menor uso de recursos. A reengenharia significa fazer mais com menos recursos.
Também não se pode confundir a reengenharia com o modismo da qualidade total. Os programas de qualidade partem da organização e seus processos que existem e tentam melhorá-los. Nesse sentido, esta é uma mudança suave, que envolve a idéia de continuidade, de mudança.
Contrariamente, o conceito de reengenharia envolve um padrão de substancial inovação, ou seja, de descontinuidade.
Todos estes esclarecimentos são apropriados, quando se considera os desafios tão cruciais com que a sociedade brasileira se confronta neste momento. De fato, um desafio a enfrentar, que nós todos, brasileiros, temos adiado indefinidamente.
Trata-se de promover a reengenharia da ordem social do Brasil.
Todas as tentativas feitas até aqui têm se concentrado na dimensão administrativo-econômica e os planos governamentais têm sido tão somente planos de qualidade total para a economia brasileira. Temos buscado melhorar o funcionamento da organização social ora existente, nada mais.
É preciso, no entanto, prepararmos nossa economia, nossa sociedade, para o século 21, quando, ao que tudo indica, as mudanças serão ainda mais vertiginosas, na dimensão tecnológica dos processos de produção, da integração dos mercados e da promoção dos valores individuais.
A elaboração de uma Constituição para o país é uma oportunidade de dotar a sociedade de regras e procedimentos que viabilizem uma trajetória de prosperidade. Em 1987-1988 o Brasil teve a ocasião de empreender sua reengenharia social, porém a tarefa não ficou concluída.
Mas também é no dia-a-dia da vida política que podemos atuar na promoção dessa reengenharia. Tendo a predisposição da mudança saberemos encarar os problemas brasileiros de um modo mais adequado, encaminhando suas soluções de forma muito mais profunda.
Após o desempenho econômico do início dos anos 70 –que nos levou a taxas de crescimento "per capita" de até 11% ao ano –iniciamos os anos 90 com uma sucessão de quedas na renda "per capita": -6,2% em 1990, -1% em 1991 e -2,8% em 1992. Os projetados 4% no crescimento do PIB para o corrente ano representam muito pouco para servir de compensação a tanto declínio.
Hoje estamos 8% reais abaixo do nível de desempenho "per capita" que exibíamos em 1980!
Embora devamos lamentar esta evidência numérica, não espanta que isso tenha ocorrido. Afinal nas duas últimas décadas, que atitude tivemos com relação à competitividade de nossas indústrias? Que estímulo estabelecemos à entrada e fixação do capital estrangeiro em nossos processos produtivos?
Enfim, que estabilidade demos às regras mais relevantes no funcionamento da economia nacional: da proteção ao direito de propriedade e dos termos contratuais, às garantias de que os planos governamentais não seriam um modismo entremeado de arbitrariedades?
As vésperas do final do século 20, não podemos mais contemporizar com o atraso econômico e social em que vivemos, nem aceitar que alguns bons desempenhos isolados possam ser considerados substitutos satisfatórios para uma trajetóriade intensa mudança social.
Por certo que não temos aqui a pretensão de apresentar a solução dessa reengenharia em nossa sociedade. Todavia, insistimos em chamar a atenção de todos para o ponto inicial dessa mudança: as soluções institucionais.
Tais soluções se distribuem em três grandes classes de mudança de motivação:
a) Limitações nos impostos e gastos públicos.
Tais limitações são fundamentais para inibir a propensão dos ramos políticos em criar benefícios privados a um custo coletivo –propensão essa que na atualidade brasileira parece ter chegado a formas e proporções totalmente absurdas.
Subsidiariamente, estaremos eliminando por motivos mais significativos e duradouros uma potencial fonte do mecanismo inflacionário na economia brasileira.
b) Mudança na regulamentação econômica.
Na prática, o que se percebe é que as alterações na regras e no procedimentos do sistema fiscal caracterizam-se pela ampliação de isenções e deduções, gerando mais ineficiências e maiores encargos tributários para a totalidade dos contribuintes não-beneficiados.
Tudo isso tem um custo coletivo que, no entanto, é de difícil percepção e mensuração, existindo porém recursos capazes de tornar essa regulamentação sujeita a controle efetivo.
Caberia ao Congresso Nacional redefinir grande parte da legislação regulamentadora, equacionando questões políticas que, hoje, têm sua solução delegada ao arbítrio da diversificada burocracia governamental. Tal recurso unificaria os critérios da regulamentação, muito contribuindo para o atendimento do interesse público –o que constitui uma alteração positiva na motivação dos agentes públicos.
Por outro lado, ao transferir para o Congresso Nacional a solução de questões políticas explicitadas na concessão de benefícios regulatórios, estaremos encorajando a oposição dos segmentos organizados da sociedade à produção de regulamentação que venha gerar benefícios privados.
c) A descentralização do controle político.
Essa descentralização envolve, primeiramente, a transferência de funções governamentais para as jurisdições em que os efeitos dessas funções se materializam. Isso é muito importante pois contribuirá para localizar os custos de programas e políticas públicas.
Escolas, postos de saúde, estradas, e regulamentações no Estado ou município de São Paulo, por exemplo, são temas que devem ser tratados como adstritos a este Estado ou município, de modo que se possa eliminar ou reduzir substancialmente as possibilidades de que seus custos se transfiram para outros Estados e municípios.
Isso também determinará áreas de atuação de governo mais homogêneas, de modo que os eleitores-contribuintes estarão menos sujeitos à exclusão dos benefícios da provisão dos bens e serviços públicos.
Por fim, vale lembrar que tal descentralização fomentará uma sadia competitividade entre as áreas governamentais, em termos de preço e quantidade dos bens e serviços públicos.
Esta é apenas uma ilustração do que rotulamos de reegenharia da ordem social no Brasil. Trata-se ao mesmo tempo, de mudar engrenagens fundamentais do processo decisório governamental e legislativo e induzir comportamentos que incentivem a cooperação social e o interesse público.

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