São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Homem caça masculinidade no mato

AURELIANO BIANCARELLI

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A cena se repete algumas vezes por mês em uma mata próxima a um hotel de campo de Águas de São Pedro (200 km a noroeste de SP). Os participantes são na maioria empresários, executivos e profissionais liberais.
O que pretendem esses homens é resgatar a masculinidade que acreditam estar perdida ou confusa. Querem saber que papel está reservado a eles numa sociedade em que a mulher ocupou espaços e a autoridade do pai e chefe da família está questionada.
À frente do grupo está o psiquiatra Luiz Cuschnir, 44, supervisor de Psicodrama do Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Cuschnir é o pioneiro no Brasil do que os norte-americanos e canadenses chamam de "gender group", ou grupo de gênero.
"Gênero quer dizer masculino e feminino", diz o psiquiatra. "É mais amplo do que ser homem ou mulher." Para discutir o papel de cada um, os trabalhos são feitos em grupos separados, às vezes em finais de semana no campo ou em terapias que duram um ou dois meses.
"O 'gender group' para homens é o resgate do mundo masculino", diz Cuschnir. O homem estaria perdido e inseguro diante das mudanças nas relações com as mulheres. "Elas saíram de casa, galgaram espaços públicos e estão lutando para mantê-los e ampliá-los. Os homens estão acordando agora."
Segundo Cuschnir, os "grupos de gênero" estão sendo cada vez mais procurados por homens que "se deram conta de que perderam a primazia do poder e não detêm mais o papel de único provedor econômico da família."
O homem que ainda não percebeu essas mudanças terá cada vez mais dificuldade no relacionamento com a mulher e os filhos, alerta o psiquiatra. "O melhor caminho é aprender a dividir o poder em casa."
O grupo também é procurado por homens que não se sentem bem com sua sensibilidade diante dos outros homens. É entre esse "homem sensível" e o modelo machão que estaria o "homem do futuro" buscado nas terapias de Cuschnir. "As mulheres não querem mais um macho nem um homem frágil. Querem um homem masculino", afirma.
Uma forma de moldar esse homem seria colocá-lo em contato com outros homens, para que possa falar com a liberdade que falava nos grupos de meninos da adolescência. Segundo o psiquiatra, os homens na vida adulta perdem a intimidade das amizades.
"Eles se encontram muito hipocritamente, contando vantagens profissionais ou sexuais. Não sabem mais viver amizades. Quando começam a compartilhar esses sentimentos no grupo, sentem um grande alívio. É como um reencontro com ele próprio, sem as máscaras do casamento ou do sucesso da profissão."
Quando esse reencontro ocorre na natureza, é ainda mais marcante, diz o psiquiatra. "É muito emocionante os homens se encontrarem à noite, no bosque. No escuro total, eles vão voltando a situações que viveram na infância, do prazer mais puro, do medo, do pânico que no dia-a-dia eles negam."
O ator e produtor Almir Martins, 34, que participou de um dos grupos no bosque, diz que, depois de três dias, todos se sentiam velhos conhecidos. "No final era um monte de homens se abraçando e chorando. Foi emocionante."

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