São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Itália põe 'notáveis' para fiscalizar licitações públicas

OLIVIA SILVA TELLES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Itália põe 'notáveis' parafiscalizar licitações públicas
Pessoas que vão acompanhar concorrências não poderão exercer outra atividade
O combate à corrupção, em cada país, depende em grande parte da qualidade de suas leis em matéria de licitações e contratos administrativos. O Senado italiano aprovou, em votação definitiva, no último dia 13, a nova lei que deverá reger as obras públicas no país. As medidas adotadas para dar transparência e correção às licitações incluem a criação de um órgão de vigilância, com independência em relação ao poder público.
O novo órgão, na Itália, será composto por cinco membros, escolhidos pelos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, entre pessoas de notória especialização nas áreas técnica, econômica e jurídica. Suas atribuições serão típicas de um "ombudsman", devendo fiscalizar a aplicação da lei, controlar a execução dos contratos e sugerir alterações na legislação.
A cada ano, a entidade deverá elaborar uma relação das irregularidades encontradas no setor, e enviá-la ao governo e ao parlamento, com especial atenção aos casos de contratos firmados sem licitação, de publicidade inadequada dos atos administrativos, de interrupção das obras e de mudanças em seu projeto. Durante os cinco anos de mandato, os membros do novo órgão não poderão exercer qualquer atividade profissional, sob pena de serem afastados da função.
O professor de direito econômico da USP Eros Grau diz que tem "dúvidas quanto à operacionalidade" da idéia. Para ele, cinco é um número insuficiente de membros para fiscalizar os contratos firmados pela administração. "A existência desse órgão pode vir a legitimar atos de corrupção", conclui.
Carlos Ary Sundfeld, professor de direito administrativo da PUC-SP, é favorável à criação de uma entidade semelhante no Brasil: "A lei brasileira atual ainda está em discussão e a aplicação dessa idéia seria de grande utilidade. Temos dificuldade de controlar as licitações e esse órgão poderia aumentar a sua publicidade".
Na Itália, a preocupação com a publicidade das licitações reflete-se também no fato de que a nova lei fixa a concorrência pública como principal modalidade de licitação. Segundo o professor de direito administrativo da PUC-SP, Adilson Dallari, a nova lei reverte a tendência das legislações européias de favorecer licitações feitas entre empresas previamente qualificadas, nos moldes da tomada de preços da lei brasileira.
A nova lei italiana também modifica o regime anterior quanto aos projetos de obras públicas apresentados pela administração, estabelecendo que deverão ser executivos, isto é, detalhados de modo a bastarem para a execução completa da obra. A idéia é evitar "variações" posteriores, que dêem margem à corrupção. A possibilidade de alteração do contrato ficou restrita a três situações: mudanças na legislação, motivo de força maior e erro ou omissão do projeto.
Adilson Dallari considera que, neste ponto, a nova lei italiana é melhor do que a brasileira porque "quando se licita há a perfeita definição do que vai ser feito". Segundo ele, no Brasil é exigido apenas o projeto básico, que serve de orientação à elaboração do projeto executivo. Ele afirma que "aqui, muitas vezes se licita sem ter nem mesmo o projeto básico". Para Eros Grau, a lei brasileira nesta matéria é mais adequada, porque, de um lado, não há o "engessamento" do sistema de projeto executivo e, de outro, os aditamentos são limitados a 25% do valor do projeto original.
A indenização da administração pública em caso de descumprimento do contrato por parte das empresas é assegurada, no regime da lei aprovada pelo Senado italiano, pelo sistema de seguro-garantia, o mesmo que foi instituído, no Brasil, pela lei nº 8666, de junho de 93, e vetado pelo presidente da República, Itamar Franco. Segundo Carlos Ary Sundfeld, o argumento contra o seguro-garantia é o afastamento das empresas menores, que são rejeitadas pelas seguradoras. Para ele, esta espécie de seguro pode ser uma boa solução para certos tipos de obra.

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