São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sapatos e candidatura

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas coisas passam pela cabeça dos analistas do mercado financeiro: a inflação, que já posa com número de sapato, e as eleições, cujo cenário teima em apontar, por enquanto, apenas uma candidatura com reais condições de vitória: a de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Por isto, soa estranho a avaliação de que o ministro Fernando Henrique Cardoso (Fazenda) teria agido de forma apressada ao assumir sua aspiração antes que o Congresso Nacional aprovasse o Plano FHC. O ministro distribuiu comida e, principalmente, lançou-se na primeira guerra verbal com Lula.
Apressadas foram as análises. O Congresso, pelo que se vê, está agindo como se esperava: vai aprovar o ajuste fiscal suficiente para que seja dada largada para a segunda fase do plano: a criação da URV (Unidade Real de Valor), sobre a qual só se sabe com exatidão o nome.
Seria tolice imaginar que o Congresso fosse deixar o ministro, qualquer ministro, de mãos abanando. Ainda mais quando se sabe que é um desejo do sistema político que se faça algo –um plano– e se garanta a travessia até as eleições.
O plano de estabilização do ministro Fernando Henrique Cardoso é, como ressalta a equipe econômica, negociado. Cada passo exige apoio político, articulação. E, ao contrário do que se diz, esta negociação seria facilitada com o ministro assumindo a face da candidatura da terceira via (embora até hoje não se saiba quem seria o candidato da segunda).
A aposta é que, por exemplo, o empresariado seria menos afoito na conversão de seus preços em URV, já que não interessaria passar como um trator não só pelo plano mas pelo candidato que oferece um espaço para a manutenção do projeto de modernização da economia.
A aposta é que, mesmo entre os sindicatos, a polarização do ministro Fernando Henrique Cardoso com Lula ajuda a formar "pontes" com os adversários da CUT (Central Unica dos Trabalhadores) para a conversão dos salários.
A aposta é que a sociedade vai entender que o ministro não vai deixar o desastre acontecer, já que não teria interesse algum em assumir um país dizimado.
O ministro não foi açodado. O ministro quer viabilizar seu plano. Cujo problema não é só a inflação. Mas a inflação, sem dúvida, faz parte dele.

Texto Anterior: DI é opção para próximos dias
Próximo Texto: O assalto ao brasileiro e novas surpresas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.