São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Economia do Pacífico anuncia uma nova era de instabilidade

HEIDI TOFFLER; ALVIN TOFFLER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Atualmente, todo o mundo reconhece a região do Pacífico Asiático como o coração palpitante da economia global. Nem haveria a necessidade de citar as taxas de crescimento para provar seu dinamismo. Contudo, o erro mais comum daqueles que fazem prognósticos é pressupor que as atuais tendências irão se manter indefinidamente.
Será razoável esperar que a China continue a crescer 10% a 12% ao ano durante os próximos 25 anos? Ou que o Japão e os países do Leste Asiático poderão continuar a canalizar as exportações para os EUA e a Europa? Será, alternativamente, razoável pressupor que o comércio interno da Asia irá sustentar essas taxas de crescimento impressionantes?
Hoje, a economia mundial está atravessando a sua mais profunda reestruturação desde a Revolução Industrial. Estamos testemunhando a disseminação de um sistema fundamentalmente novo para a criação de riquezas. Não mais baseado no trabalho agrário dos campos da Primeira Onda, nem no trabalho muscular das fábricas da Segunda Onda e, sim, no trabalho do conhecimento da Terceira Onda –o conhecimento substituindo a terra, mão-de-obra, capital, energia e outros meios econômicos tradicionais. E da mesma forma que a Segunda Onda, de mudanças lançadas pela Revolução Industrial, viu o poder global se transferir dos impérios otomano e russo para a Bacia do Atlântico, também a Terceira Onda de mudanças se faz acompanhar pela transferência do poder ainda mais para o oeste, rumo à Bacia do Pacífico.
Esta transição histórica não perderá logo o seu ímpeto, mas ainda irá abalar todas as atuais expectativas. Pois em lugar de prenunciar um período de crescimento sereno e seguro, pressagia uma geração plena de turbulências e convulsões em toda a região do Pacífico Asiático.
O cenário convencional hoje engloba toda a região, desde a India, numa das extremidades até, digamos, o rio Mississippi na outra, chegando a 2020 com uma economia liberal aberta e com instituições multilaterais em toda a região, capazes de moderar o conflito comercial e evitar violência político-militar. Um rápido desenvolvimento econômico na área seria canalizado para formas ambientalmente seguras pelos regimes que, se não democráticos por critérios ocidentais, pelo menos não seriam asfixiantemente repressivos nem se autoperpetuariam.
Quais, entretanto, são as chances de que este futuro positivo irá realmente se materializar? Infelizmente, quase as mesmas de se ganhar na loteria federal.
Outra revolução Meiji
Tomemos o Japão. Esqueça, se é que é possível, a recessão imediata e suponha que sua economia voltará a se recuperar em um ano ou dois. Mas voltará para onde? O Japão não apenas inflamou seu próprio crescimento através de exportações implacáveis, como também investiu nos "tigres" asiáticos, cada um dos quais por sua vez ativou sua própria máquina de exportação –todos com base na premissa de que os EUA e a Europa poderiam continuar a absorver ieimitadamente os seus produtos. Não podem.
Consequentemente, de acordo com Kenneth Courtis, o observador residente do Deutsche Bank, especializado em Asia, a economia japonesa agora precisa, no mínimo, de uma "reforma financeira, uma profunda reforma fiscal, uma completa revisão do sistema imobiliário, dos códigos relacionados para os empreendimentos imobiliários, dos regulamentos e taxas de zoneamento, de uma agressiva desregulamentação... e uma descongestão da economia através da descentralização", bem como a criação de uma "moderna infra-estrutura social".
Para tudo isso é só o começo. Para competir no mundo, o Japão deve completar sua transição de uma economia de Segunda Onda para a da Terceira Onda. Reciprocamente, precisa transformar as escolas do tipo fábrica da Segunda Onda num sistema educacional da Terceira Onda –o que significa quebrar o poder do Ministério da Educação, dos sindicatos de professores e de outras forças recalcitrantes.
Economias avançadas também exigem sistemas avançados de mídia e publicidade designados para nichos de mercado. A mídia do Japão, entretanto, é anacrônica. Para mudá-la, é necessário um ataque politicamente arriscado aos barões dos meios de comunicação de massa, que retardaram adisseminação da televisão a cabo e da transmissão direta via satélite, tornando-se, eles próprios, reféns de uma indústria publicitária excessivamente centralizada e dependente do governo.
Numa era em que a explosão digital, interativa e multimídia veio para revolucionar a mídia mundial e em que os novos canais via satélite estão se espalhando por toda a Asia, o Japão ficou para trás. A ausência do Japão como líder desta revolução permitirá que os Estados Unidos e mesmo alguns competidores asiáticos comercializem produtos, serviços e idéias –com maior eficácia e a um menor custo.
Finalmente, o Japão teria que fazer todas essas mudanças politicamente controversas, na ausência do velho contrato social que no passado azeitou o caminho para uma mudança –a garantia de emprego vitalício em troca de sindicatos "submissos".
Esta agenda parcial será de implementação extraordinariamente difícil, especialmente sob as pressões dos sindicatos, que serão ainda mais penosas que as de hoje.
A síndrome da China
A China enfrenta obstáculos ainda maiores. Atualmente, a mídia mundial pinta um quadro eufórico do futuro da China, focalizando Xangai e as regiões costeiras, onde as chaminés da Segunda Onda estão se multiplicando e onde estão surgindo até mesmo bolsões de indústria baseada também em conhecimento, de Terceira Onda.
Presta-se menos atenção, contudo, ao fato de as distintas elites da China estarem numa rota de colisão. Nas áreas de alto crescimento, observamos a ascensão das elites da Segunda e Terceira Ondas –um "nouveau-riche" cujos interesses diferem dramaticamente dos interesses dos governantes políticos no Norte e dos interesses das elites regionais que governam os 600 milhões de trabalhadores rurais do país, muitos dos quais ainda trabalham a terra com dificuldades e vivem uma existência da Primeira Onda.
Disparidades regionais e de classes que se ampliam com rapidez constituem uma dinamite política. E não será apenas o pobre que poderá colocar fogo no pavio. Por todo o mundo, existem sinais de uma futura revolta dos ricos.
Na União Soviética, foram precisamente as repúblicas mais ricas, industrializadas e tecnologicamente avançadas, aquelas mais próximas das economias ainda mais avançadas da Europa ocidental, que buscaram se libertar do domínio de Moscou. As regiões mais pobres e agrárias foram as que se mostraram mais relutantes em se separar.
O mesmo foi verdadeiro na antiga Iugoslávia, onde Croácia e Eslovênia, as duas repúblicas mais próximas da Europa Ocidental –e também as mais desenvolvidas economicamente– foram as mais ávidas em se separar.
Hoje na Itália é novamente o Norte tecnicamente mais avançado, com sua economia de Segunda e Terceira Ondas, que fervilha com seu sentimento separatista, ansioso para deixar que o Sul agrário, da Primeira Onda, se preocupe com seus próprios problemas. Um padrão similar já está nítido no Brasil, onde o rico Estado do Rio Grande do Sul tem quatro movimentos separatistas que afirmam que os milhões de trabalhadores rurais praticamente morrendo de fome no Nordeste não são problema deles. Dado este padrão global em desenvolvimento, quem poderia ter a certeza de que a China permanecerá inteira?
As elites sulistas e costeiras da China nem mesmo falam o mandarim, a língua de Pequim, mas sim o xangainês, cantonês, fukienês e outras línguas faladas em Hong Kong e Taiwan, bem como por muitos outros chineses estrangeiros ricos, com os quais os continentais sulistas têm um parentesco cultural e, muitas vezes, biológico. Se Pequim tentar "esfriar" ou controlar a fogosa economia do Sul ou coletar impostos e redistribuí-los em prol das regiões agrícolas da Primeira Onda, é improvável que as elites em ascensão das Segunda e Terceira Ondas permaneçam quietas.
Elas tentarão se apoderar do próprio poder político em Pequim. Se isso fracassar, exigirão uma autonomia quase total. Para consegui-la, poderão muito bem ameaçar a atual secessão, seguida de integração com o altamente tecnológico arquipélago Taiwan - Cingapura - Hong Kong. Neste caso, seria fácil a deflagração de uma guerra civil.
A China terá que se transformar numa frouxa federação de regiões virtualmente autônomas e, mesmo, de cidades-estados como Cingapura, cada qual conduzindo sua própria política comercial, cada qual, talvez, com seu próprio Banco Central e sua própria política monetária. O governo nacional seria responsável pela defesa e arbitraria as disputas inter-regionais.
Mas isso seria a última coisa que estaria na mente dos líderes de hoje, que seriam forçados a abrir mão de parte considerável de seu poder –isso sem mencionar as oportunidades para o nepotismo e corrupção. É questionável se a China poderia realmente fazer as alterações necessárias sem uma convulsão interna.
Nem os conflitos das elites findarão quando Deng Xiao Ping morrer. Poderá levar dez ou 15 anos até conhecermos o resultado. É sensato lembrar que levou dez anos, depois da morte de Tito, para que a Iugoslávia explodisse na secessão e violência civil. E a Iugoslávia não tinha armas nucleares.

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