São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1994
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Vota quem quer

MARCELO COELHO

SÃO PAULO – A tese do voto facultativo, proposta na revisão constitucional, envolve discussões delicadas.
A primeira vista, nada mais simples do que o argumento pelo voto facultativo. Voto é direito, e não dever. Faltam justificativas, portanto, para mantê-lo obrigatório.
O argumento é incontestável, e do ponto de vista dos princípios democráticos, não há como fugir dele numa reforma constitucional.
Menos claras, contudo, são as motivações políticas que cercam a defesa (e a crítica) do voto facultativo. Ninguém diz, mas o que todo mundo espera, com o fim do voto obrigatório, é uma espécie de seleção natural do eleitorado.
Ou seja, que o país fique livre de um contingente apreciável de votantes sem instrução, sem cultura política, levado às urnas apenas pela compulsoriedade em vigor.
A proposta visa, na prática, a uma elitização do eleitorado. É difícil confessar, mas muita gente acha que precisamente uma elitização desse tipo seria o melhor para todos.
A favor do voto obrigatório, surgem argumentos respeitáveis. Os valores democráticos estão ainda mal implementados no país. É votando que se aprende a votar. Obrigado a manifestar-se nas urnas, o cidadão simples se vê estimulado a participar, simbolicamente que seja, dos processos decisórios. É uma escola –e, tal como o ensino básico, exige frequência obrigatória. Há o medo, ademais, de que a massa dos indiferentes ou desinformados, desvinculada dos governos que não elegeu porque desobrigada a tanto, transforme a própria despolitização em revolta intransitiva, absoluta, contra instituições pelas quais não se sente responsável.
As duas posições partem de um pressuposto realista –o de que, num país com as carências educacionais e culturais do Brasil, as atitudes do "povão", em especial o das áreas rurais, não são lá muito confiáveis. Para falar claro, é disso que se trata.
Mas, para falar em tese, em termos de princípios etc. –e é de princípios que a Constituição tem de cuidar–, o voto obrigatório é uma excrescência. Que só votem os cidadãos interessados em votar não é só mais democrático. Será mais cômodo para todos, mais econômico, mais elegante, menos popular.

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