São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 1994
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Spa que é spa lhe dá tudo, menos comida

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Precisávamos emagrecer. Escolhemos um spa pensando na praia linda e vazia fora de temporada, na pequena distância de São Paulo, no hotel despretensioso, sombreado por velhas amendoeiras.
Levamos ainda em consideração a liberdade de seguir ou não o programa (o que faz com que seja obedecido à risca) e não o fato de não se parecer nada com uma clínica, mas sim com uma "casa grande e senzala".
Logo na entrada, você é despido de sua identidade. Ganha um roupão branco e uma lista de atividades. De agora em diante, dentro do hotel, você é um hóspede "spasiano", com direito a tudo que o hotel oferece, menos comida.
A vida se desenrola num pátio interno, com piscina no meio, cercado por pequenas salas cobertas de sapé. As "mucamas" passam o dia todo lhe espremendo, amassando com óleos e sal grosso, como enormes picanhas, envolvendo em panos quentes com ervas aromáticas, amarrando com tiras pretas elétricas, à la Madonna. Ou você está fazendo ginástica ou está sendo hidratado, desidratado, lambuzado de cremes, limpo em saunas úmidas e duchas certeiras.
A comida é boa, acreditem. Com um empurrão da brava Ala Szerman, (a dona do spa) poderia vir a ser a atração da orla. Como está, já é infinitamente superior à comida do hotel. Imaginem, agora, um prato de estivador, enorme e alto e dividam por quinze. Esta é sua porção, para o almoço e o jantar.
Os ingredientes são frescos, e a comida é de um bom gosto inédito. Quase que imediatamente começa-se a sentir o sabor de cada coisa, vai-se afiando o paladar. Cada vagem é comida devagar e com prazer. Na verdade, ela pode ser a última.
Durante a semana que passamos lá, a comida estava nas mãos da auxiliar de cozinheira. Aliás, nas mãos de duas moçoilas brasileiras, simples, sem curso nenhum, treinadas há pouco, sabe-se lá por quem, provavelmente pela própria Ala... (foi um custo conseguir qualquer informação. Os funcionários são ciumentos, parecem ter medo que se lhes roube uns segredinhos, uma receita... Eu, hein! Roubar receita de spa é demais). As meninas cozinheiras se assustariam com as palavras "cuisine minceur", "nouvelle cuisine", "designer de pratos". E que bom gosto inato elas têm, que delicadeza de mãos, nem uma flor a mais, e para ser justa nem uma alface a mais, também.
Almoço e jantar se repetem com pouca comida e muita graça. Filezinhos de meia manjuba em ninhos de espinafre, um camarão pousado sobre um "coulis" de tomate, charutinhos de folha de uva, tomates recheados com legumes, um estéreo peru guarnecido por uma surpreendente "julienne" de manga fresca. Um sanduíche "fake" inacreditável, que é preciso ver para crer. E meias maçãs ao forno, mousses de mamão, milhares de gelatinas em todos os tons e texturas.
Apenas o assunto não muda, teimoso e obsessivo. Quem abre a boca, como sabe que não vai comer, fala de comida. Um "spasiano" mais ardente, me encurralou num telefone para que eu ligasse para o Ritz e pedisse a receita da torta de galinha deles... e me prometeu de mãos juntas o bolo de laranja da mãe, com calda de laranja em ponto de fio. Estou esperando.

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