São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Folha - Caso Lula seja eleito, o PT pretende mesmo ampliar de 0,5% para 2% do PIB os investimentos na área militar?

EMANUEL NERI

Cavagnari - Considerou-se 0,5% como o índice atual de participação militar no PIB e concluiu-se que é insuficiente para manter uma força militar com capacidade operacional satisfatória. Já que é proposta, a reestruturação das Forças Armadas e a atualização tecnológica de seu equipamento, esse índice deverá então ser aumentado, se possível, até o limite desejável de 2% do PIB. É claro que esse aumento progressivo, num período de cinco anos, não deverá atropelar prioridades sociais.
Folha - O PT pretende retomar integralmente os programas militares?
Cavagnari - Dos programas que deverão ter continuidade, apenas o nuclear e o Calha Norte são considerados polêmicos. O primeiro é polêmico devido a sua própria natureza e ao submarino nuclear. O Calha Norte porque amplia a presença militar numa área sensível para os ecologistas. Mas os dois são necessários para o Brasil. Vou propor também que haja continuidade no programa espacial, no do AMX (avião) e no Antártica.
Folha – Por que os programas nuclear e Calha Norte são importantes?
Cavagnari - Além de desenvolver a capacitação científico-tecnológica, o programa nuclear proporcionará ao país a aquisição de um meio (o submarino nuclear) que dará maior eficiência à defesa da fronteira marítima. O Calha Norte, por sua vez, concorrerá para reforçar a defesa da fronteira terrestre setentrional. Atualmente, tanto a fronteira ao norte do Solimões-Amazonas, quanto a fronteira marítima, são as duas áreas mais sensíveis do território nacional e estão precariamente defendidas.
Folha - O PT pretende mesmo criar o Ministério da Defesa?
Cavagnari - O Brasil é o único país do mundo que não tem um Ministério da Defesa. Sua criação visa a garantir a unidade de execução da política de defesa, afastando as colisões entre interesses específicos de cada força singular –Exército, Marinha e Aeronáutica. É claro que essa iniciativa deverá concorrer também para consolidar a subordinação das Forças Armadas ao poder civil. Não há dúvidas de que isso concorrerá para racionalizar a execução do orçamento segundo uma política de defesa única.
Folha - Como estão se comportando as Forças Armadas na atual crise política do país?
Cavagnari - Tem sido um comportamento exemplar. Elas fizeram uma declaração explícita de que se esforçarão ao máximo para não fugir da opção democrática.
Folha - Com o fim da doutrina da segurança nacional e da guerra fria, quais são agora os inimigos das Forças Armadas?
Cavagnari - O Brasil é um país que tem ameaças, não há dúvida. Mas são ameaças ao meio-ambiente, à biodiversidade. O bloqueio que existe de acesso do Brasil a tecnologias avançadas, não há dúvida que são ameaças aos interesses nacionais. Mas são ameaças que não justificam o emprego da força. Acontece que aqueles que ameaçam têm uma capacidade militar tão desproporcional em relação a nós, que não podemos considerar isso como uma ameaça que deve ser eliminada através da força.
Folha - O sr. acha que as Forças Armadas poderiam ser melhor aproveitadas, para evitar a ociosidade?
Cavagnari - As Forças Armadas têm que ser empregadas para aquilo que elas existem, que é a defesa nacional. Elas têm que ser preparadas para isso, têm que ser adestradas para isso. Agora, nada impede que elas colaborem, em caráter eventual, com outras atividades que não são militares. Elas podem ser empregadas em determinados momentos, em determinadas situações críticas e até no atendimento à segurança pública. Podem ser empregadas na construção de estradas, de açudes. Mas tudo isso não como atividades consideradas principais, mas como atividades complementares ou atividades de simples cooperação civil.
Folha - Qual é hoje o perfil do oficialato brasileiro?
Cavagnari - Em termos técnicos, o nosso oficialato é muito bem preparado. Infelizmente, nós estamos vivendo uma fase de dificuldades e essa formação até fica comprometida no seu desenvolvimento. Em termos de pensamento político, eu diria que a oficialidade brasileira está evoluindo, está amadurecendo. Está perdendo determinados ranços autoritários na maneira de pensar o Brasil e já está admitindo que o Brasil tem que ser pensado nos quadros da democracia.
Folha - O sr. acha que a oficialidade está mais democratizada?
Cavagnari - Eu diria que aqueles que estão aceitando a democracia estão crescendo. Aqueles que não aceitam a democracia, que são por natureza autoritários, estão se tornando minoritários no meio militar.
Folha - Há setores das Forças Armadas muito resistentes à demarcação de terras indígenas. Como o sr. vê isso?
Cavagnari - Eles reagem devido à dimensão das terras concedidas aos indígenas. Reagem porque não admitem que as terras indígenas não permitam a presença militar nelas. Eles não admitem que não possam ser exercida a soberania nacional nessas terras. Eles têm razão, principalmente na faixa de fronteira.
Folha - Com a revisão constitucional, o que o sr. entende que deve ser mudado na Constituição em relação às Forças Armadas?
Cavagnari - Tirar aquelas duas palavrinhas "a lei e a ordem". As Forças Armdas deve ser atribuída, apenas, a defesa da pátria e dos poderes constitucionais. No caso da defesa nacional, os objetos de defesa são o território e os interesses nacionais. No quadro da ordem constitucional, o objeto de defesa são as instituições políticas do Estado de direito democrático. A referência à ordem (prevista na atual Constituição) admite que as Forças Armadas possam ser empregadas em qualquer movimento que venha a ameaçar a lei, que às vezes não são movimentos que justifiquem o emprego da força militar.
Folha - Há menos resistência nas Forças Armadas a uma eventual vitória do Lula? Haveria algum risco de insubordinação?
Cavagnari - Não há risco de insubordinação a uma vitória dele. A taxa de aceitação (a Lula) está crescendo e a de rejeição está diminuindo. São índices de aceitação mais elevados do que eram em 89.
Folha - Por que sua opção pelo PT?
Cavagnari - Eu venho colaborando com o PT desde 1987. Em 89, quando o Lula passou para o segundo turno, fui convidado, junto com outras pessoas, a elaborar um esboço de uma política do partido para os militares. E esse contato se manteve. Não sou filiado a partido nenhum, mas entre os partidos políticos brasileiros, o PT é o que eu tenho maior simpatia. Concordo com muita coisa e discordo de alguma coisa.
Folha - O que o sr. discorda no PT?
Cavagnari - Eu não sou tão estatizante quanto determinadas correntes do PT. Não sou tão ferrenho defensor do monopólio estatal como são alguns setores do PT. Em relação ao capital estrangeiro, sou um pouco mais liberal do que alguns setores do PT.

Texto Anterior: Militar do PT defende programa nuclear
Próximo Texto: Deputado diz que plano é "insanidade"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.