São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 1994
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O "pai" do punk norte-americano ficou surpreso com o seu HIV negativo

CELIA FARBER
DA "SPIN"

A última vez que eu havia visto Iggy Pop (James Osterberg) foi quando eu tinha 13 anos. Foi em 1978 numa cidadezinha da Suécia, onde eu morava. Iggy ia tocar com uma banda "greaser" (rock dos anos 50, brilhantina no cabelo, carros americanos, motos...). Depois de duas músicas o lugar estava um caos –garrafas quebradas, cadeiras voando no ar e polícia por todo lado.
"Você se lembra de uma vez que tocou em Orebro, na Suécia, em 1978?" Iggy dá um sorriso aberto. "Lembro, claro. Eles jogaram arenques em mim. Não lembro de que eu os xinguei. Alguma coisa tipo suecos degenerados, comedores de peixe. Foi engraçado. Depois eu fui para o cassino e tinha um sueco grandão lá. Eu cuspi no olho dele e ele me encheu de pancadas." Iggy começa a dar gargalhadas, e de repente eu percebo que talvez a razão pela qual ele ainda está vivo é que ele nunca levou tudo isso a sério. Sua revolta é em tom de brincadeira. Apesar de suas credenciais proto-punk, ele não é dark mesmo. Mas nem sempre se percebe isso em sua música.
A essência deste cara ainda me confunde um pouco. Vindo de uma cidadezinha do meio-oeste americano, ele criou sua carreira aos berros, vômitos, coices, cuspidas e safanões, indiferente a todos os sinais culturais, como se tivesse o próprio Satanás no corpo. Iggy Pop não tocava rock'n'roll: ele o transmitia. Seu comportamento era tão interessante quanto sua produção criativa, ou então, pode-se dizer, seu comportamento era sua produção criativa. Ele aconteceu como uma revolução científica, não fazendo parte de uma progressão mas numa única explosão autônoma que por sua vez abriu caminho para todo um novo paradigma, uma nova maneira de olhar as coisas.
"Faz um ano que estou com esta banda. Na verdade nunca dei muito certo como artista solista com uma banda me acompanhando. Já estive numa banda e era uma coisa. Aí quando caí no mundo solo, foi muito incômodo. Eu tinha dificuldade em manter uma banda. Quando eu ficava irritado eu dizia 'Demita eles!' 'Não gosto da bosta de tua namorada!' ou qualquer coisa do gênero". Iggya Iggy se ele sente saudades de sua vida antes de ser estrela do rock, quando o sexo não era táo fácil. "Nunca, de jeito nenhum".
Iggy tem um hábito meio assustador de contar a verdade. As vezes isso tem o efeito de parar tudo. As mentiras fazem o mundo girar, mas Iggy não consegue. Num artigo da "Newsweek" sobre roqueiros mais velhos ele disse abertamente que se não precisasse do dinheiro, talvez não faria o que faz.
Numa era em que a correção política criou nos Estados Unidos uma praga intelectual da falsa moralidade, que carregou o grosso da comunidade roqueira junto, Iggy Pop não se encaixa. Não espere dele que ele diga a coisa certa. Quando pergunto como a era do sexo seguro o afetou sexualmente, ele geme e diz o indizível.
"Fiz o projeto Red Hot & Blue com Debbie Harry. Eles queriam que eu fosse lá e dissesse: 'usem camisinha'. Eu me recusei, não conseguia. A garota encarregada me disse: 'você é um cara de destaque e precisamos ser líderes responsáveis, blá blá blá'. Mas como eu poderia mandar os caras usarem camisinha, se eu mesmo não uso? Eles estão tentando transformar o sexo em ato racional, em ato social, e não é nada disso. O sexo ficou muito banalizado."
Iggy diz que já fez teste de HIV. "Tive que fazer, para uma apólice de seguro. Fiquei espantado porque deu negativo. Eu achei que se alguém tivesse que ter, seria eu."

Tradução de CLARA ALLAIN.

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