São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 1994 |
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Filme é retrato de um país inacabado
JOSÉ GERALDO COUTO
Em seu segundo filme, em vez de fazer confortavelmente um "A Marvada Carne 2" (propostas não faltaram), André Klotzel resolveu mergulhar na perplexidade do momento social e cultural brasileiro. Fez um "Macunaíma" às avessas: se o herói sem caráter de Mario de Andrade vinha da selva para a civilização, o anti-herói de "Capitalismo Selvagem", o empresário Hugo Assis (José Mayer), faz o caminho inverso. Ambos têm em comum justamente a falta de caráter, não tanto no sentido moral, mas no de identidade, que é o que eles buscam em suas trajetórias singulares. É possível dizer que o filme é um exercício de linguagem em torno dos vários sentidos da expressão "capitalismo selvagem". O capital e a selva –os grandes dados com que o Brasil está condenado a trabalhar sua identidade e seu futuro– se confrontam e se acasalam de modos diversos ao longo da obra. O gênero escolhido como referência foi o melodrama –mais especificamente a telenovela, o formato melodramático brasileiro por excelência. Mas Klotzel nem adere ao melodrama, nem o parodia abertamente. Seu jogo –muito mais arriscado– é o de criar expectativas no público –dramáticas, políticas, estéticas– para frustrá-las em seguida. Há quem considere falha grave a diversidade da interpretação dos atores –José Mayer e Adilson Barros mais realistas, Marisa Orth e Marcelo Tas debochados, Fernanda Torres com um pé em cada canoa–, mas o efeito perturbador dessa heterogeneidade está plenamente integrado ao retrato do país feito pelo filme: um retrato (um país?) inacabado, atordoado, perplexo. --(JGC) Texto Anterior: 'Capitalismo Selvagem' ironiza telenovela Próximo Texto: Folha promove debate Índice |
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