São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 1994
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Mila

CARLOS HEITOR CONY

Mila é mais sóbria, mais sólida e sábia. Na noite em que meu pai morreu, vim em casa tomar banho, fazer a barba, trocar de roupa, preparar-me para o dia que me aguardava. Sempre que coloco a chave na fechadura, por menos ruído que faça, ela se coloca atrás da porta e espera. Pula em cima de mim, seu hálito aquece meu pescoço, seus olhos procuram os meus e ela me lê, sabe como estou, como foi meu dia e como está a vida.
Naquela noite não pulou, nem olhou meus olhos. Cabeça baixa, rabo entre as pernas, ela sabia. Eu não avisara a ninguém, mas a ela nada precisava dizer. Encostou-se aos meus joelhos, cúmplice e solidária. E ela, que do mundo lá fora esperava um pai, do mundo lá fora recolheu um órfão.

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