São Paulo, segunda-feira, 31 de janeiro de 1994
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O enigma chinês

FLORESTAN FERNANDES

A China emerge como um desafio para aqueles que desmantelaram com mentes, armas e dinheiro o "perigo comunista", introduzindo o caos no Leste europeu e na URSS. Certas concessões do governo chinês parecem-lhes o começo da penetração capitalista e do restabelecimento de um vasto império transcolonial na Asia.
Na esquerda, teóricos competentes debatem com ardor as perspectivas do mercado de uma posição social-democrata européia (Alec Nove) ou as incompatibilidades –visão também eurocêntrica– de mercado e socialismo (Ernest Mandel). Ignora-se o que pensam os chineses a esse respeito e toma-se a teoria como genitora da realidade. Li Liangqui prefere discutir os dilemas do ajustamento da economia planificada, como setor principal, e a função reguladora do mercado, como setor auxiliar, tendo em vista uma nação com desenvolvimento desigual, empenhada na construção do socialismo.
O centenário de Mao Tsetung provocou estudos e debates na China que evidenciam que existem excessões à regra de que as revoluções devoram os seus líderes. Bastaria, aliás, ler o relatório do presidente Jiang Zemin para o 14.º Congresso do PCC para tirar conclusões críticas contra os mitos e as utopias externas sobre a fragilidade da China e a posição a que ficou exposto o herói da Grande Marcha e da revolução chinesa. Mao ressurge como uma referência essencial nos zigue-zagues que prevalecem, com o objetivo de criar o "socialismo com peculiaridades chinesas". Abertura, reforma e modernização são os fulcros da consolidação e desenvolvimento da etapa primária em curso, concebida para durar pelo menos cem anos, e para impedir tenazmente a "liberalização burguesa". Citando a matriz marxista, indaga Deng Xiaoping: "Qual é o miolo do marxismo? Ao marxismo também se chama comunismo. Pelo comunismo viemos lutando faz muitos anos. Nossa convicção e nosso ideal consistem em tornar realidade o comunismo". Em suma, Mao não é só um nexo referencial. Constitui uma fonte de legitimação do "socialismo com peculiaridades chinesas".
Sobre esse assunto, ainda podemos lembrar a formulação do mesmo Deng Xiaoping na 6.ª sessão plenária do 13.º Comitê Central do PCC sobre os requisitos das "quatro modernizações": "Primeiro, há que persistir no caminho socialista. Segundo, há que persistir na ditadura do proletariado. Terceiro, há que persistir na direção do PCC. Quarto, há que persistir no marxismo e no pensamento de Mao Tsetung." O ideal predominante volta-se para a preservação da estabilidade econômica, social e política com as reformas de significado revolucionário. Como salienta Jiang Zemin, a modernização socialista deve ser impulsionada, superando-se com realismo os obstáculos internos e externos existentes. A opção é pela continuidade revolucionária, ainda que em condições dificílimas. Portadora de antigas civilizações hostis, a China acelera o desenvolvimento e se impõe no cenário mundial, graças ao ímpeto unificador da revolução em processo.

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