São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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Enfim acabou 1964

VAMIREH CHACON

O regime de 1964 não havia terminado em 1985, tanto Tancredo Neves quanto José Sarney eram personagens até mesmo dos tempos de Vargas e Kubitschek. Só agora, 30 anos depois, com exceção de Leonel Brizola, todos os demais candidatos iniciaram suas carreiras políticas propriamente ditas após a intervenção militar de 64.
As eleições gerais de 1994, as primeiras tão amplas no Brasil desde 1950, tiveram inclusive como os mais votados para presidente dois nomes paradigmáticos da resistência democrática ao regime de 1964: o professor universitário aposentado a força, o que equivalia a uma cassação, Fernando Henrique Cardoso, e o líder de grandes greves operárias paulistas por isso então preso, Luiz Inácio Lula da Silva.
O resultado aparece também muito sintomático: a vitória de duas legendas partidárias inovadoras, tanto a do PSDB, a mais próxima de uma social-democracia brasileira, quanto a do PFL rompendo com a Arena e viabilizando a aliança democrática que elegeu a conciliadora dupla Tancredo-Sarney da transição pacífica.
Fernando Henrique é o que o Brasil hoje tem de mais próximo a François Mitterrand, Felipe González e Mário Soares, muito além de Menen. O Brasil volta a ligar-se mais com inspirações e congêneres europeus que com vizinhos platinos, passou a época Vargas-Perón.
O próprio neo-autoritarismo vem de face nova, ``meu nome é Enéas!", o almirante Fortuna tem todas as características de boa pessoa, mas sem votos.
A segunda derrota presidencial de Lula, terceira majoritária se contarmos a quase tão importante para governador de SP, significam repulsas insistentes à queima de etapas e ao saudosismo pelo avesso do PT, querendo opor estatização populista, dita de esquerda, à estatização autoritária, tida por de direita.
A também segunda derrota de Brizola só não atinge Jaime Lerner devido ao prestígio pessoal deste, e em parte ao de Francisco Rossi, porque apoiado pela força nova protestante evangélica mais numerosa de São Paulo que em qualquer outra região.
A realista aliança PSDB-PFL repete no Brasil o que houve na Alemanha entre social-democratas e liberais, em Portugal com Mário Soares e Cavaco Silva e na França de Mitterrand-Balladur.
O atraso das informações dos periféricos intelectuais terceiro-mundistas leva-os a estranhar sua aplicação ao Brasil, como se jamais social-democratas estivessem aliados aos comunistas, e aos seus sucessores pós-modernos, na França, Alemanha ou Itália, em vez de alianças com os liberais como de fato frequentemente ocorreu.
O tal bloco hegemônico socialista-comunista limitou-se aos países do Leste Europeu, por imposição do exército soviético de ocupação após a Segunda Guerra Mundial, nunca em nenhuma parte por espontânea convergência como pretendia Gramsci e prosseguem imaginando os periféricos intelectuais terceiro-mundistas.
A mais recente tentativa foi de Mitterrand com quatro ministros do Partido Comunista Francês na sua primeira presidência, demitidos apenas meses após, em favor de uma aliança socialista-liberal permitindo a Mitterrand ir ao fim de cada mandato, dissolvendo-se na véspera de cada campanha eleitoral para recompor-se em seguida. Acordos de cavalheiros, brigas só as combinadas, sucedidas por pactos de governabilidade.
Um dos resultados da recusa dos partidos comunistas a esta flexibilidade democrática é a sua transformação em seitas tão ideológicas que místico-religiosas, com consequentes isolamentos principalmente na França e Portugal, onde os comunistas mantiveram as legendas partidárias, obrigados a trocá-las por outras, socialistas, na Itália e Alemanha, ora tentando competir com os partidos socialistas em sua própria semântica, além de programas convergentes. O PT pode seguir um dos dois caminhos, no seu caso nem precisando trocar de nome.
Quanto ao PSDB-PFL, se não consiguiram maioria no Congresso, vão ter de compor-se com partidos pequenos, o que não descaracterizará a aliança maior, ou precisarão fazer concessões ao PMDB, useiro e vezeiro em abandonar seus líderes, dr. Ulysses ou Quércia, quanto mais aliados provisórios.
São novos caminhos para outras buscas de solução para velhos problemas econômicos e sociais. Do seu êxito, menor ou maior, depende o desempenho desse novo ciclo democrático enfim com fisionomia própria.

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