São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Otários, espertos e outros

JANIO DE FREITAS

Apenas dez dias depois da eleição, soou o alarme: a inflação voltou a subir. Não que empresariado e equipe econômica tenham segurado eleitoreiramente a inflação até o 3 de outubro, Deus nos livre de tal hipótese. Há outras explicações e já foi até descoberto o culpado.
As explicações divergem, mas isso é natural. No dia em que dois economistas concordarem, estaremos perdidos em definitivo. Os chapas-oficiais da comunicação concluem que ``esse foi o plano lançado em meio a maior quantidade de fatores fora de controle: temos que enfrentar seca, um `boom' nunca visto de preços de `commodities' e, agora, Saddam Hussein". É verdade que, no lançamento do real, todos diziam que nunca um plano fora adotado em condições conjunturais tão favoráveis. Mas agora é necessário criar uma desculpa. Mesmo que à custa de dar Hussein como co-responsável pelos 58% de aumento médio dos aluguéis a partir do real.
Mais triviais, outros atribuem a subida da inflação à carne e ao feijão, que não fazem por menos de 20% e 40% as suas contribuições para a alta. Nada de novo, já estamos habituados. O mais louvado dos nossos economistas, professor Mário Simonsen, quando ministro fez a indiciação criminal do chuchu, cuja feiúra ingênua escondia a pérfida responsabilidade por um salto da inflação que ousava contrariar, veja só, os saberes econômicos.
Tão econômicos são esses saberes, que os seus portadores afirmam todos, por escrito e ao vivo, com o desdém autorizado por seus tantos diplomas de cá e de fora, que preços não causam inflação. E de repente explicam a alta da inflação com os preços da carne, do feijão, do chuchu, do biquíni.
Todos, não. O ministro Ciro Gomes, que daqui a três meses estará nos Estados Unidos aprimorando os seus já muitos saberes econômicos, ou muito econômicos saberes, esticou a língua e apontou o verdadeiro culpado pelo retorno da inflação: entre ``os imbecis que remarcam os preços" (aqueles que nós outros, de vocabulário mais modesto, chamamos de empresários) e ``os otários" (os compelidos a pagar preços encarecidos), ``quem ameaça o plano é o consumidor", ``quem está fazendo a alta é o consumidor".
Ou melhor, os consumidores, uma verdadeira quadrilha, que age nas lojas e supermercados comprando aquilo de que necessita e pagando com o dinheiro ganho por seu trabalho. Pagando sem alternativa o preço que lhe é exigido, porque o governo nada exige dos preços.
Os consumidores não têm, mesmo, a esperteza dos que fizeram, cavalgaram para fins conhecidos e conduzem para fim desconhecido o Plano Real. Mas de otários é que não têm nada os que compram hoje o que não sabem se poderão comprar amanhã. Um dos tabus dos meios de comunicação brasileiros é o que se refere aos investimentos financeiros para o cidadão comum. O fato, porém, é que a caderneta e demais aplicações ao alcance deste poupador estão resultando em perda. Para ele, nada é melhor do que comprar o que lhe seja necessário, sem endividamento excessivo, enquanto os preços estejam ao seu alcance. Conter inflação é função do governo. E quando gente do governo começa a culpar consumidor, é sinal de que não sabe o que fazer diante dos problemas. Ou sabe mas prefere não fazer –são os espertos, não?

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