São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Unidade ou pluralidade sindical

OCTAVIO BUENO MAGANO

A notícia é de que Fernando Henrique Cardoso, virtual eleito presidente da República, quer acabar com a unidade sindical (Folha, 10/10/94).
Para a boa compreensão da matéria, convém lembrar que unidade sindical significa proibição de se constituir mais de um sindicato por categoria profissional ou econômica, numa determinada base territorial, via de regra, correspondente aos lindes de um município.
Tem-se, assim, exemplificativamente que, no município de São Paulo, não pode haver mais de um sindicato representativo da respectiva categoria profissional, o mesmo ocorrendo, ``mutatis mutandis", com as demais categorias.
A marca do unitarismo mais se exacerba ante a exigência de que os sindicatos se insiram em sistema confederativo extremamente rígido, por força do qual as federações devem ser constituías por entidades sindicais de idêntica categoria e as confederações, a seu turno, por ramos de atividade predeterminados.
A unidade, assim concebida, constitui ingrediente do modelo corporativo instaurado entre nós, na década de 30, com inspiração na ``Carta del Lavoro" italiana, de 1927.
O critério da unidade fazia parte da estratégia corporativista tendente a evitar o surgimento de sindicatos menos dóceis aos desígnios governamentais. E, para melhor assegurar a fidelidade dos existentes, foram eles aquinhoados com o produto do imposto sindical, o que, a seu turno, deu margem à proliferação de sindicatos fantasmas, de cofres cheios e assembléias vazias.
Essa tralha corporativista, apesar da redemocratização do país, ocorrida em 1946, acabou incrustando-se na Constituição do mesmo ano, trasladando-se para as Constituições posteriores, inclusive a de 5 de outubro de 1988, tudo em virtude de lobby dos interessados.
A unidade sindical com as características acima apontadas já foi estigmatizada no âmbito da OIT (Organização Internacional do Trabalho) como contrária à liberdade sindical. Em sua linguagem oficial, eis como se pronunciou a referida entidade internacional: ``...la unidad del movimiento sindical no debe ser impuesta mediante intervención del Estado por via legislativa, pues dicha intervención es contraria al principio enunciado em los artículos 2 y II del conveno núm. 87." (La Libertad Sindical, Recopilación de decisiones y princípios del Comité de Libertad Sindical del Consejo de Administración de la OIT, Genebra, 1985, p. 48).
O posicionamento do presidente eleito contra a unidade sindical significa, pois, identificação com o sentido universalmente aceito de liberdade sindical e, ao mesmo tempo, repulsa ao modelo corporativista de unidade sindical.
É claro que o desfazimento do referido modelo exigirá revisão constitucional. E um dos argumentos de que provavelmente se utilizarão os interessados, a fim de bloquear, será de que a quebra da unidade sindical implicará atomização dos sindicatos e, pois, balbúrdia nas relações coletivas de trabalho.
A isso se responde, porém, que, por força do princípio de seleção, acabarão os mais fortes prevalecendo sobre os mais fracos ou, como diria Voltaire: ``Le puissant foule aux pieds le faible qui menace".
De resto, a possibilidade de existir sindicatos atuantes no âmbito das empresas é salutar porque permite a realização de acordos mais conformes às realidades de cada qual, o que certamente não ocorre quando na convenção coletiva se sujeitam a condições idênticas macro e micro empresas, ostentando enormes disparidades.
Muitas são, pois, as razões justificativas da opção do futuro presidente da República em prol da liberdade sindical e contra a unidade de ressaibos corporativistas.

OCTÁVIO BUENO MAGANO, 63, advogado, é professor titular de direito do trabalho da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

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