São Paulo, domingo, 16 de outubro de 1994
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Revisão constitucional entre o sim e o não

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O sim e o não de uma revisão constitucional agitarão o debate jurídico-político dos próximos meses. O sim afirma a urgência de ajustes da Carta Magna, cujos primeiros cinco anos de aplicação demonstraram a existência de normas impraticáveis, que a enfraquecem, e de distorções ou deficiências, que dificultam a administração pública.
O não afirma os perigos de uma revisão em começo de governo, com um presidente provido de extensos poderes políticos –alguns dos quais advindos de sua aliança com forças conservadoras–, perigos esses que submeteriam a grave risco as vigentes conquistas dos direitos individuais e sociais, da nova visão da família e mesmo da descentralização administrativa, que transferiu para os municípios e para os Estados muitas das capacidades decisórias que, até 1988, cabiam apenas ao governo federal.
Os dois lados têm razão. A Constituição de 1988 tem defeitos. Contudo, mesmo a correção de alguns deles (o exemplo mais citado: a União continuou responsável por muitos encargos, sem o respaldo de adequadas fontes de renda), pode permitir que os detentores do poder econômico (banqueiros e industriais são as almas danadas de plantão) derrotem, ``de virada", as forças que os surpreenderam há cinco anos.
Edmar Bacha foi porta-voz recente do sim, ao afirmar que a Constituição pecou ao incluir matérias claramente não-constitucionais. Isto é, que, por serem desprovidas de permanência compatível com as dificuldades da emenda constitucional, deveriam ser reguladas por lei ordinária (pode ser aprovada pela maioria dos presentes em cada Casa do Congresso) ou, no máximo, por lei complementar (aprovada por metade mais um de todos deputados e senadores).
Mas, ainda uma vez, até o ``enxugamento" da Carta, retirando dela certos temas, é alvo de críticas justas, como as que Osiris Lopes Filho fez, nesta mesma Folha, recentemente. Por outro lado, a revisão constitucional não pode limitar-se à simples redução de tamanho. Um dispositivo que se mexa e logo outros terão de ser alterados, dando origem ao temido cotejo de forças progressistas e conservadoras.
Na ``História Constitucional do Brasil", de Paulo Bonavides e Paes de Andrade (Paz e Terra, 955 páginas), são referidos muitos casos de confrontos entre interesses legítimos e espúrios na elaboração de cada uma das sete Constituições democráticas do país, desde o Império. Tanto no exame crítico, feito pelos autores, quanto nos anexos de documentos relacionados com cada constituição, verifica-se ou a imposição de limites excessivos ou a pretensão de soluções estranhas aos interesses nacionais, em cada período focalizado.
Minha tendência pessoal é pela revisão, através de emenda que a autorize. Manter a Carta estável é ilógico quando o país em transformação tem evidente necessidade do ajuste. Respeito, porém, os que pensam diferentemente, como acentuei mais de uma vez na Comissão de Acompanhamento Constitucional nomeada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, presidida pelo ministro Evandro Lins.
Submeto, por isso, ao leitor uma ponderação justa feita por Josaphat Marinho no prefácio do livro de Bonavides, quando diz que as dissonâncias entre as várias correntes não são de estranhar, pois o assunto é polêmico por natureza e ``a divergência fundamentada indicará também o interesse da sociedade pelo destino das instituições políticas, caracterizando a presença de um povo adulto".

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