São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
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Mário Covas

FLORESTAN FERNANDES

Escrevo estas anotações a 10 de outubro, justamente apreensivo com análises que li em jornais recentes. Há quem acredite que Francisco Rossi possa fazer alianças que o coloquem à frente de Mário Covas. Não sei que posição o PT tomará diante dos desdobramentos do segundo turno. Penso, porém, que é uma questão essencial impedir, pelos meios legítimos, que isso aconteça.
Já basta que Paulo Salim Maluf seja o prefeito da cidade de São Paulo. Ele sozinho representa o fim da linha... Apesar da propaganda atraente –e enganosa– que o levou ao governo municipal, Maluf continua como sempre foi. Nem é preciso fazer comentários a respeito. Acrescentar agora uma figura como o candidato que se apresentou em nome do PDT e proclama que renega seu partido será obra de dementes.
Mantenho divergências de fundo com Mário Covas. Nunca as escondi. Mas ele é um político de espírito construtivo, honestamente devotado ao trabalho e costuma respeitar compromissos assumidos. Oferece aos eleitores uma concepção política transparente e desempenha no cenário histórico um papel central.
Desde o início de sua carreira até hoje soube postar-se decididamente ao lado da soberania popular. Não promete o que não pode realizar. Luta com galhardia pelos pobres e oprimidos e pela transformação gradual da economia, da cultura e do Estado. Seu discurso toma, com frequência, um feitio barroco. Seus conteúdos, todavia, são avançados e incidem sobre temáticas inovadoras.
Seria péssimo que, depois de tantos combates, víssemos a vitória consagradora do que São Paulo fabricou de pior na esfera da politicalha. O segundo turno foi incorporado à Constituição de 1988 sob a égide de uma inspiração política que assegurasse alternativas aos eleitores. Parece que fomos vítimas de um logro. Como mostra o embate Lula-Collor, ganhou o pior. Não por seus méritos pessoais ou por seu programa político. Mas por artimanhas da mídia, dos poderosos e pela falta de caráter do contendor triunfante.
É imperioso que não se reabram fendas tão arriscadas, escoadoras de esgoto no segundo turno. Se alianças de má-fé instituírem opções desse tipo, a ``segunda chance" se abaterá sobre o Brasil como uma condenação irremediável. A política se produzirá não como arte de governar, mas como fator de desagregação e de devastação do país.
A avalancha de votos brancos e nulos joga sobre os ombros dos políticos profissionais a responsabilidade do que está ocorrendo. Cabe-nos, como simples cidadãos, a tarefa de compensar o mecanismo. O PT, depois de uma seleção interna renhida, indicou, entre José Dirceu e Telma de Souza, o candidato que atraiu a preferência dos militantes.
Agora, só há um caminho: o de apoiar Mário Covas, autêntico paladino da centro-esquerda. As discordâncias ensinam que fatos inexoráveis exigem cooperação rápida, mesmo que experimental e transitória.

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