São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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Turturro homenageia o pai em "Mac"

JOHN TURTURRO
ESPECIAL PARA O ``VILLAGE VOICE"

Turturro homenageia o pai em ``Mac"
Eu me lembro do meu pai. Ele era fogo, era um trovão. Quem saísse da linha levava um soco na cabeça. Mas ele também daria até a camisa que vestia –ele era esse tipo de homem. Era um dínamo.
Ele levantava uma mesa com os dentes, erguia sacos de areia com o cabelo. Ele puxou um trem, levou mil quilos num carrinho de mão da Jamaica Avenue até Hillside Avenue, na subida. Isso é bem longe. A gente tinha medo do cara. Quando ele falava, a casa toda tremia. Meu pai –todo mundo o adorava.
Esse era meu pai, todo empoeirado, um grandalhão sentado na nossa cozinha, me contando a história do seu pai, meu avô, que eu nunca conheci. Eu ouvi aquela história mil vezes na minha infância. Mas, cada vez que a contava, ele fazia a história reviver, como um grande ator reprisando um dos seus papéis favoritos.
Com seu estilo exagerado, emotivo de contar histórias, cheio de sentimento e imbuído de amor, o amor por seu pai, que nunca retribuiu aquele amor, ele transformava suas lembranças em mito. Um mito nascido da necessidade e da luta. Com encantamento infantil, ele inconscientemente nos contava a verdade, se não em palavras, então através de seu rosto. Ele era um homem de extremos, mas quem tivesse o dom da empatia conseguia enxergar o conflito dentro dele, a imagem de machismo que ele apresentava ao mundo e a vulnerabilidade escondida por baixo dela.
Se eu pensar nos motivos que me levaram a ser ator, certamente é minha mãe a pessoa artística da família, aquela que me incentivou. Mas, com certeza, eu tinha diante de mim, na figura de meu pai, um grande ator na tradição clássica. Dava para imaginá-lo fazendo Lear, Macbeth, Édipo, grandes homens com falhas, porém grandes e plenos de vitalidade.
Ele não era esperto. Não era um homem que contava piadas. Seu humor era repleto de voltas e volteios. Como um bom ator que compreende a dualidade fugidia da vida, ele conseguia colocar qualquer frase que pronunciasse de ponta-cabeça, expressando o sentido exatamente oposto. Suas reações eram altamente originais. ``Se não for pessoal, jamais poderia ser original". Meu pai nunca disse isso, mas ele vivia isso. Era seu dom, e era por isso que nós o amávamos. Qualquer ator digno de nota entende isso.
Sem a descida para o centro do redemoinho, só existe imitação. Existem aqueles em qualquer profissão que se comunicam, que chegam até a ser famosos por algum tempo, mas a lembrança deles se desvanece como um curto dia de inverno, que termina praticamente antes de começar. Para permanecer na memória das pessoas é preciso deixar para trás algo de si. Esta era a maneira como meu pai encarava a vida.

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