São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 1994
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Puxando a corda pelo burro

LUÍS NASSIF

Algumas das medidas monetárias e cambiais tomadas pelas autoridades econômicas equivalem, mais uma vez, a puxar a corda pelo burro. A incapacidade que os macroeconomistas têm demonstrado de entender o processo de estabilização e de desenvolvimento como um todo integrado, resulta num reducionismo absurdo, tomando os efeitos pelas causas, os meios pelos fins.
Para o país interessa basicamente desenvolvimento, melhorar a capacidade de suas empresas de gerar lucros, criar empregos, pagar salários e tributos. Este é o objetivo final de qualquer política econômica.
Aqui se inverteu tudo. O mundo real é um detalhe, sem nenhuma importância nas análises. O macroeconomista tem um problema pela frente. Se, para construir um atalho que lhe traga a solução, precisar atropelar o mundo real, atropelará sem dó."Não me venha a realidade tirar horas de sono e de análise" devem imaginar.
Tome-se o exemplo. Há um problema macroeconômico concreto, do aumento do fluxo de dólares para o país. Nos anos 70, o déficit em contas correntes era coberto por empréstimos externos. Nos anos 80, quando se fecharam as portas dos empréstimos, o Brasil foi obrigado a se suprir de superávits comerciais.
Agora, que o dinheiro financeiro está de volta, não haveria espaço para continuar suportando o mesmo volume de dólares comerciais no caixa do BC. Isto porque a cada dólar que o BC acumula nas suas reservas, precisa emitir títulos públicos.
Portanto o problema é reduzir o custo do BC de carregar dólares.
Há muitos caminhos que não afetam o mundo real, mas que são trabalhosos e complexos. O mais óbvio deles é parar com essa história de o BC ter de "carregar os dólares consigo". Bastaria acelerar os estudos para permitir que o setor privado pudesse "carregar" esses dólares, para esse pepino ser administrado. O BC não precisaria mais estourar a base monetária para comprar dólares. O dinheiro ficaria com os exportadores, no exterior ou aqui. Mas é uma montagem que dá trabalho.
O segundo caminho seria amarrar a questão do superávit comercial a um progama maciço de estímulos ao investimento. Aumentaria substancialmente as importações sem necessariamente penalizar as exportações. Mas aí demandaria sair do mundo onírico das contas monetárias e cambiais e penetrar a fundo no trabalho de esculpir um país.

Imediatismo
Como o vôo é curto, parte-se para o caminho mais fácil: adota-se série de medidas para penalizar os exportadores (e algumas corretamente para coibir especuladores) afetando o mundo real.
A partir de agora, com o dólar desvalorizado, e com a redução dos ganhos financeiros das exportações, vai cair sensivelmente a rentabilidade do setor. Qual a justificativa? "Quando as importações começassem a aumentar, o dólar iria ficar mais desvalorizado mesmo". A gente aproveita e antecipa. E o mundo real que exploda.

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