São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 1994
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Garrafa de plástico

SÍLVIO LANCELLOTTI

Só uma sucessão de milagres impedirá que uma garrafinha de plástico elimine o poderoso Milan da Copa dos Campeões da Europa. O clube ocupa a rabeira de seu grupo de classificação: um ponto em três jogos. Mesmo que ganhe os três jogos que lhe restam, dificilmente passará à frente do líder Ajax, da Holanda, cinco pontos.
Na verdade, o Milan somou três pontos até aqui. Perdeu dois deles, todavia, num tribunal da Uefa, por causa do danado vasilhame que um torcedor seu, no estádio de San Siro/Beppe Meazza, arremessou à cabeça do arqueiro do Salzburgo da Áustria. Pior, o estádio acabou interditado. No prélio de retorno, o Milan terá de enfrentar o Ajax num campo neutro.
O episódio me parece modelar, principalmente quando se compara a algumas decisões dos juízes da Comissão Disciplinar da CBF. Nesta semana, por exemplo, o Corinthians foi punido com a cassação de um mando de peleja por causa de um toco de madeira atirado sobre um bandeirinha no seu prélio em Campinas, diante do Guarani. Concordo com a pena. A mim surpreende, porém, que nada aconteça com o Guarani, cuja galera provocou o incidente.
Acuada num dos cantos do tobogã do estádio do Guarani, parte da torcida do Corinthians foi literalmente massacrada pelos adversários, numa das cenas mais estúpidas que já presenciei em 26 anos de profisssão. Um jovem de 19, Sérgio Franscisquini, morreu ontem em um hospital de Campinas.
O toco de madeira que caiu no bandeirinha foi consequência da reação da torcida do Corinthians, muitos minutos depois da pancadaria. A equipe da Rede Bandeirantes, aliás, faz tempo se recusa a transmitir combates no Brinco de Ouro, por falta da segurança, de condições mínimas de conforto. E nada impede que o Guarani continue a fazer as suas pugnas, impunemente, no seu gramado.
O episódio ainda estimula, paralelamente, uma outra discussão: será legítima a tal Comissão Disciplinar da CBF, que distribui as suas sentenças sem ouvir a defesa dos supostos acusados? Pessoalmente eu considero perfeita, inevitável inclusive, a idéia da criação da comissão, imitação do que já ocorre na Europa, onde as imagens da TV funcionam como auxiliares dos julgadores.
Considero, no entanto, sem critérios e discriminatória, amadora, clubista e passional, a comissão da CBF. Pune na base dos vários pesos e das múltiplas medidas –e isso encolhe a sua credibilidade.

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