São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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Caso de polícia

JANIO DE FREITAS

A participação da Polícia Federal e das Forças Armadas no combate aos traficantes do Rio volta à ordem do dia. Como sempre que ocorre um episódio mais chocante. Também como sempre, sem que se perceba no palavrório algum esforço de racionalidade. E, no entanto, sem alguma reflexão sobre certas questões, militares e PF não têm contribuição positiva a dar.
Liquidar os componentes de quadrilhas, pela prisão ou pela morte, não resolve. Armas da polícia e dos rivais, mais estas do que aquelas, matam muitos deles sem interrupção. Outros substituem imediatamente os caídos. E assim continuará sendo com o combate dado por militares e PF. E assim continuará sendo enquanto houver o abastecimento de armas, munição e drogas às quadrilhas –que, aliás, não estão só nas favelas.
A repressão eficaz há de começar, portanto, pelo abastecimento. Neste capítulo, já foi lembrado que o Rio não produz armas, nem munições, nem drogas. Mas, sendo a ação repressora nas rotas de abastecimento uma das atribuições da PF, surge daí uma pergunta: como e por que a PF tem eficácia zero na sua responsabilidade de bloquear o abastecimento? E não só o do Rio.
A repressão eficaz nem começaria então, como dito acima, pelo abastecimento: a primeira atenção tem que se voltar para a PF. Até que sejam identificadas e sanadas as causas, técnicas ou morais, da sua inoperância. Só a partir daí haverá repressão verdadeira ao abastecimento de armas, munições e drogas, como preliminar para que sejam enfrentados com êxito os problemas criminais e policiais do Rio.
Com toda razão, os militares não querem envolver-se no combate direto às quadrilhas. Já têm, com os roubos de armas e munições dos seus depósitos, boa noção da vulnerabilidade do seu pessoal, além da falta de habilitação apropriada. Podem dar contribuições menos diretas, de diferentes tipos. Mas assim mesmo há que ter cautela. A experiência das secretarias de Segurança e das PMs entregues a militares foi a pior possível. E a atual direção da PF é de um coronel, sem qualquer efeito sobre a ineficácia da repressão ao abastecimento. E não só o do Rio.
Enfim
A desfalecida OAB-RJ provoca a impressão de que os advogados são os mais indiferentes aos desarranjos que têm acometido o Judiciário fluminense. É antes de tudo surpreendente, portanto, que parta de advogados a iniciativa de examinar a concorrência, cuja empreiteira vencedora foi aqui publicada com 36 dias de antecedência, para a construção de um conjunto de prédios contratados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio.
A iniciativa é do Sindicato dos Advogados do Rio, que em reunião na segunda-feira começará a estudar a possibilidade de uma representação junto à Procuradoria da Justiça para investigação formal da concorrência. A OAB não está nessa, claro.
O procurador-geral da Justiça, Antonio Carlos Biscaia, a quem caberia a incumbência funcional de proceder à imediata investigação das condições em que se deu a concorrência, em vez disso era uma das chamadas autoridades presentes à cerimônia de início das obras. As quais, por sinal, já haviam sido iniciadas muitos dias antes. Mesmo estando ainda a concorrência sub judice.

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