São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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As fêmeas que nos fazem lembrar Hitler

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Causa estranheza em todos brazucas que aqui residem –e tomo a liberdade de me incluir no grupo– a maneira com que as americanas cumprimentam um ser do sexo oposto. Ficam a uma légua de distância, estendem a mão e, quando você oferece a sua, apertam-na como se espremessem uma laranja: ``Hi! My name is Susan."
E de Susan em Susan, entre Tracys e Amys, sua mão vai sendo paulatinamente triturada por moças de fino trato e religiões variadas.
Cindy é uma colega do departamento de Literatura Comparada. É tão incomparavelmente e californianamente bela que até os clássicos perdem a consistência. Cindy tem 21 anos, faz mestrado, está ainda bronzeada do último verão, usa roupas despojadas, rasgadas e um boné com a estrela vermelha de cinco pontas. Esmagou a minha mão ao se apresentar. Perguntei se era comunista. Disse que era. E acendeu um cigarro!!
Esse mundo não é fácil. A quantidade de restrições impostas ao fumantes tem surtido efeito contrário: muitos jovens estão voltando a fumar. Fumar tornou-se sinônimo de transgressão, rebeldia, bobagens bastante cultuadas por jovens. Cindy não perderia a oportunidade de transgredir mais uma. Fuma.
Outra coisa com que não nos acostumamos: assim que se apresentam, temos que imitá-los, resumindo nosso currículo de uma maneira atraente, economizando palavras e causando boa impressão. Para alguns, falei que era escritor. Para outros, falei que trabalhava na Marinha. Para Cindy, disse que era diretor de teatro. Perguntou, então, se eu já havia assistido ``Pulp Fiction", o novo filme de Tarantino, ``com aquela atriz francesa".
A atriz é Maria de Medeiros, mais portuguesa que o padeiro da sua esquina. Cindy é meio burrinha. Ela e metade dos Estados Unidos estão adorando o filme. Achei uma tolice; cheio de truques para agradar os críticos. John Travolta está ótimo. A música é ótima. Os diálogos são ótimos. A filmagem é propositalmente suja, como um ``pulp fiction" (folhetim). Mas e daí?
``Pulp Fiction" não mudou minha vida. Cindy achou ``esperto". Pensei em levá-la para a biblioteca, para apresentá-la a Michelangelo Antonioni e ensiná-la outros termos além do ``esperto". Mas existe um abismo entre nossas gerações. E ela disse que nenhum filme mudou a sua vida. Pobre Cindy...

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