São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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Cassandra Wilson rouba a primeira noite

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pode ter sido praga de algum fã inconformado de Mel Tormé. Mas nem mesmo uma pane no amplificador do guitarrista Brandon Ross chegou a prejudicar o belo show de Cassandra Wilson, na abertura do 9.º Free Jazz Festival, anteontem, em São Paulo.
Convocada às pressas para substituir Tormé, impedido de viajar, a cantora norte-americana provou com uma performance primorosa porque é considerada uma das maiores revelações do jazz vocal na última década.
Mesmo com um repertório mais orientado para o blues e o pop, Cassandra exibiu jazz contemporâneo da melhor qualidade. Ela e seu quinteto irreverente (o ``viajandão" Jeff Haynes deu um show à parte na percussão) improvisaram todo o tempo, burilando e recriando várias canções extraídas do álbum ``Blue Light `til Dawn".
A concepção ``bluesy" e acústica que comanda os arranjos de Brandon Ross soa como um achado. Empresta cara nova a canções conhecidas, como o ``standard" ``Skylark" ou a sublime ``Tupelo Honey" (de Van Morrison). Sem falar na deliciosa versão para ``Come on in My Kitchen" (de Robert Johnson).

Domínio feminino
Foi uma noite dominada pelas mulheres. Antes de Cassandra, a veterana Abbey Lincoln mostrou como assimilou a influência de Billie Holiday, sem em momento algum soar como uma imitadora. Mesmo com uma pequena extensão vocal, ela sabe criar tensão dramática na medida certa para emocionar uma platéia.
A originalidade da cantora norte-americana também se reflete nas letras de suas composições. O surrado binômio amor/dor-de-cotovelo não tem vez em canções como ``The Music Is the Magic" e ``Turtle's Dream". Só Miss Lincoln consegue combinar melancolia e otimismo.
Destaque também para o pianista de seu trio, Rodney Kendrick, dono de um estilo percussivo, apoiado em frases explosivas e um criativo emprego dos graves.
Primeira atração da noite, Cristóvão Bastos misturou baião e samba com chorinhos, incluindo o clássico ``Lamento" (de Pixinguinha), em um recital de piano solo nada caloroso.
Quem conhece o excelente disco de Cristóvão com o violonista Marco Pereira sentiu falta de mais alguém no palco. Alguns números em duo ou trio teriam ajudado bastante. Raras vezes o Free Jazz foi aberto de maneira tão sisuda.

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