São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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John Woo cria sonho de imagens violentas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

``Fervura Máxima" chega ao Brasil na confortável condição de mito. É um dos filmes que lançaram internacionalmente a carreira de John Woo, chinês de Hong Kong que já se instalou em Hollywood e deu novo fôlego à carreira de Jean-Claude Van Damme com ``O Alvo".
No mais, a mitologia é justificada. Woo trabalha num quadro de gênero (o filme policial de violência), do qual tira todas as consequências. Aqui, um policial impulsivo e durão (o ``hard boiled" do título original) dispõe-se a enfrentar sozinho uma gangue de contrabandistas de armas.
Aliás, o filme já começa com um tiroteio memorável no interior de um restaurante, onde Woo exerce sua capacidade coreográfica. Não é uma questão de tiros ou de mortes (embora elas aconteçam às pilhas), mas de uma dança finíssima, em que personagens, extras, câmera se movem como se o ruído do tiroteio fosse música.
O que vem a seguir não desmente o início: a guerra de gangues; alguém que tira o revólver do interior de um falso livro (um volume das obras de Shakespeare) e fuzila o traidor; novas carnificinas.
Seguem-se: traições e histórias de jogos duplos, súbitas rupturas, depois um quase sossego. Em cada um desses movimentos nota-se a mão de um diretor que detém o pleno controle tanto do roteiro rocambolesco como dos elementos em cena.
Como isso acontece, concretamente? Alternâncias de ritmo brutais, que fazem o filme ora correr rápido como um sonho, ora ralentar e chegar próximo ao realismo. Mas, quando parece ter chegado a esse registro, um novo sobressalto: no meio de uma sequência, Woo congela a imagem por um breve instante, volta a movimentá-la em seguida. Depois, uma sequência de explosões. Nada a ver com o standard do cinema americano: são explosões estéticas.
É como se nesses momentos (e tantos outros), a idéia de sonho comandasse o espetáculo. Mas não o sonho clássico, que se pode assimilar ao cinema clássico. ``Fervura Máxima" de certo modo reflete sobre a idéia de sonho cinematográfico: o espetáculo ilusionista de certa forma decompõe-se diante dos olhos do espectador, submetido a um arsenal vastíssimo de recursos cênicos.
Um erro de continuidade é sintomático dessa opção. A horas tantas, um personagem mergulha na água com o paletó de uma cor, sai logo em seguida vestindo um paletó de outra cor. Pode ter sido mesmo um erro. Mas o espectador o percebe naturalmente, da mesma forma como nos sonhos as coisas se transformam magicamente e ao mesmo tempo são percebidas naturalmente.
Haveria muito a dizer sobre a maneira como John Woo trabalha a percepção, distorcendo as imagens ou multiplicando os seres envolvidos numa ação quase ao infinito. Num primeiro instante, porém, o que se deixa registrar é o filme de um dos cineastas mais sofisticados em atividade no momento.

Filme: Fervura Máxima (Hard Boiled)
Produção: Hong Kong, 1992
Direção:John Woo
Onde: hoje, às 16h, no cine Belas Artes/sala Portinari; quarta-feira, às 23h, no Maksoud Plaza
Língua: em cantonês, com legendas em chinês e inglês

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