São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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Assistência médico-hospitalar em Brasília

FLORESTAN FERNANDES

Os serviços médico-hospitalares já foram precários em Brasília. Dizia-se que o melhor tratamento consistia em tomar um avião para São Paulo ou Rio de Janeiro. Hoje, inverte-se a avaliação: conforme a doença, impõe-se a escolha de Brasília. Apesar das carências, das centenas de doentes terminais que para lá migram e da crise no setor, tão aguda na capital, com seus extensos bolsões de desempregados, a cidade sobressaiu-se em certos setores da assistência pública à saúde.
Não são apenas as instituições que contam com equipes próprias –a Câmara dos Deputados (sob a direção competente de um clínico como o dr. José Luiz Veloso Barbosa), o Senado, o Hospital das Forças Armadas, etc. É também a área de emergência e de internação obrigatória da população, com o Hospital de Base à frente, que dispõe de quadros altamente qualificados. A cidade sofreu crises oscilantes. Recuperou-se, todavia, de muitos do seus traumas e vê aumentar continuamente o âmbito de sua capacitação.
O ápice de sua importância concretiza-se no Hospital do Aparelho Locomotor, famoso como ``Sarah Kubitscheck". Seu diretor, dr. Aloysio Campos da Paz Jr., é um dos estudiosos dos problemas da saúde no Brasil e um crítico rigoroso das deficiências da profissionalização médica. Li numerosos ensaios de sua vasta produção intelectual. Embora muitas contribuições se destinem a especialistas, seu diagnóstico geral é indiscutível. Aponta corajosamente a necessidade, nessa área, ``de uma verdadeira revolução social: a eliminação do principal fator patogênico de nossa sociedade –o capital".
Como administrador experiente, defende os contratos de gestão, de natureza público-estatal. Essa concepção contrapõe-se ao investimento de verbas públicas em entidades e organizações privadas e faz restrições severas ao Sistema Unificado de Saúde (SUS), que fomenta a pulverização de recursos escassos para servir a políticas clientelistas. A formação adquirida na Inglaterra tornou-o intransigente com a qualidade e os vencimentos dos médicos e pessoal técnico. Além da titulação acadêmica, advoga ardorosamente a dedicação exclusiva de médicos, especialistas na área técnica ou enfermagem.
``Omitir o conflito de interesses é reduzir a níveis mínimos o efeito que a dupla militância historicamente tem exercido no setor público, pois o concessionário somente se justifica pela ausência ou ineficiência deste" (A Questão da Saúde no Brasil, pg. 27). Essa verdade se ofusca com a privatização da medicina, que submete o médico a exploração intensa e desgaste brutal da concomitância de empregos.
Faz parte do ``Sarah" a associação de tratamento médico, preparação psicológica e educação ou reeducação apropriadas. O paciente é uma pessoa e precisa ser visto como ``personalidade total" (Marcel Mauss). Exige múltiplos cuidados, interdependentes e complementares, acima das fronteiras clínicas do ``normal" e do ``patológico".

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