São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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O real a galope

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não lembro o nome do personagem histórico (ou lendário) que cada vez admiro mais. O sujeito vivera diversos períodos da fase revolucionária na França, nascera na Monarquia, atravessara os diversos regimes, a Convenção, o Terror, o Consulado, o Diretório, o primeiro Império, a Restauração.
Uma noite, encontrado no fundo de uma diligência, encapotado, chapéu escondendo metade do rosto, foi-lhe perguntado o que havia feito durante todo aquele tempo. Sua resposta é um primor de objetividade e decência: ``Sobrevivi!"
Estou lendo as memórias de Roberto Campos (``Lanterna na Popa") e tenho pensado nesse cara que viveu poucas e boas ao longo de uma única vida. Até certo ponto, pode ser o caso de muita gente que anda por aí e, certamente, é o meu caso particular.
Desprezando os períodos mais remotos (JK, Jânio, Jango, militares), atendo-me apenas aos diversos planos econômicos que atravessei nos últimos oito anos (Cruzado, Bresser, Verão, Collor, Real) encontro um solitário motivo para me admirar: sobrevivi!
Numa biografia obscura, eu mesmo não me entendo quando, motivado pela leitura de Roberto Campos, lembro que já assinei contratos à base de URPs. Não faz muito, ganhei meus parcos vinténs que atendiam pela alcunha de URV. Por trás de cada sigla que os economistas foram inventando e desinventando, havia aquilo que os sindicatos e editorialistas chamam de ``perdas". Perdi muito, mas sobrevivi. Não sei se, no fundo, foi realmente lucro.
Abstraindo o caso pessoal, há que se pensar no caso dos outros, da nação como um todo. Ela vive momentos de euforia com o Plano Real e com o dólar que, na última semana, caiu para R$ 0,82. Citei um francês no início e citarei uma sentença francesa no fim: ``Chassez le naturel et il revient au galop". Não adianta contrariar a natureza. Oscar Wilde descobriu isso no cárcere de Reading. A descoberta rendeu belíssima balada, mas o poeta só sobreviveu nas antologias.

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