São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 1994
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Pernambuco, Nordeste, Brasil

MIGUEL ARRAES

O país se encontra em estado de calamidade social. Quem disse isso foi o presidente Itamar Franco, no ano passado. Ele falou após ter recebido um estudo de órgão oficial, que revela a existência de 32 milhões de brasileiros na indigência.
Desses, 17 milhões estão no Nordeste, dos quais 2,3 milhões em Pernambuco; 1 milhão na zona rural, 600 mil na região metropolitana do Recife e outro tanto nas cidades do interior.
No Nordeste, antes de Pernambuco, estão Piauí, Paraíba, Ceará, Bahia e Alagoas, com índices maiores do que os 32% da população em situação de extrema dificuldade.
Como sabemos, a miséria no Brasil tem raízes estruturais. Ela vem de longe, mas agora se acentua e se agrava. As raízes da situação do Nordeste podem ser buscadas ao longo deste século, no processo de crescimento havido no país.
Nossa região se atrasou, não por culpa nossa, nem de ninguém, mas por força do tipo de crescimento que foi dado ao país e das opções tomadas no centro hegemônico.
Por exemplo, a energia elétrica no Nordeste foi retardada por mais de 40 anos. Pernambuco já foi o Estado mais industrializado do país no fim do século passado, decaindo progressivamente até chegar à situação de hoje, por razões desse porte e por outras que não há como examinar nesse espaço.
A partir de defasagens sucessivas, o Nordeste chegou à situação de, no pacto federativo, não receber sequer na proporção devida os recursos equivalentes ao seu peso populacional e territorial. Com 27% da população, abrigando 55% dos miseráveis do país, o Nordeste só recebe 8,5% dos gastos da União, 8,8% dos financiamentos do Banco do Brasil e 9% dos subsídios federais.
São questões estruturais e de direcionamento de políticas nacionais ao longo dos anos, que precisam ser corrigidas. É preciso tomar consciência de que, ou se corrigem, ou as divergências vão se aprofundar de tal forma que seremos países diferentes dentro de algum tempo: um vasto país de pobres; um país pequeno, concentrado, de ricos. Ainda é tempo de, pela via do entendimento, buscarmos estancar o aprofundamento do fosso que nos separa.
Em Pernambuco, temos de buscar verbas para projetos estruturadores, como a ferrovia Transnordestina, que pode facilitar nossa integração econômica.
É preciso modificar a estrutura da Zona da Mata, dominada por uma monocultura defasada. Existem condições políticas para um entendimento, condições que foram se acumulando com a própria crise, que levou diferentes setores a entenderem ser necessária uma saída comum.
Mas grande parte do poder sobre a Zona da Mata é detida pelo governo federal, que, por meio de instrumentos de créditos e financiamentos, pode promover um acerto de contas com as áreas produtoras. E então verificar qual o destino real a ser dado a essa região: que diversificação pode ser feita, que mudanças são necessárias na parte agrícola, na industrial, nos transportes, para tornar a região canavieira mais eficiente e produtiva.
É preciso, também, que tenhamos condições de tratar da questão dos recursos hídricos no agreste e no sertão, além de resolver o problema d'água na região metropolitana.
No Agreste e no Sertão é igualmente fundamental um entendimento, porque as melhores terras, junto das águas, estão nas mãos de alguns e o povo precisa de terra para trabalhar. Precisa agora, não podemos esperar uma reforma agrária geral no país.
Se houver boa vontade, poderemos avançar nessa direção, melhorar a produção e dar trabalho àqueles que se encontram sem condições de sobrevivência nas periferias das cidades.
Essa questão da terra pode ser enfrentada, pois muitos grandes proprietários não têm mais como povoar as terras com rebanhos, por falta de meios e recursos; e a estagnação se dá simplesmente conservando as terras improdutivas, que não vão servir para ninguém.
Cremos no entendimento porque as dificuldades não são apenas dos que estão na indigência, na pobreza extrema; as dificuldades se estendem a muitos setores sociais e ninguém pode escapar dessa crise sozinho.
Tem de haver solidariedade, uma solidariedade mínima entre os diferentes setores da sociedade, uma larga compreensão para que nós possamos falar de cabeça erguida, como gente que deseja resolver os problemas do Estado e contribuir para enfrentar as questões nacionais.
O Nordeste, nessa nova quadra da vida nacional, não pode se apresentar como pedinte, tem de se apresentar reclamando seus direitos e oferecendo aquela parcela de trabalho, de esforço, de contribuição que a região sempre deu para que o país seja uma grande nação.
A compreensão, pelos nordestinos e pelos brasileiros, de que a oportunidade está colocada para enfrentar o problema das profundas desigualdades pessoais e regionais como uma questão nacional é fundamental para que eliminemos a miséria espalhada pelo país e concentrada no Nordeste.
Ao apresentarmos essas rápidas apreciações, não estamos mais do que olhando os dispositivos da nossa Constituição. E a Constituição, em seu artigo 3º diz que se constituem em objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Se trabalharmos nesse sentido, teremos cumprido nosso dever para com o povo.

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