São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 1994
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Ou inteligência ou morte

JANIO DE FREITAS

Não é por casualidade, nem são fatos sem ligação entre si, que Enéas Carneiro seja o terceiro mais votado para a Presidência, o general Newton Cruz seja o terceiro mais votado para o governo fluminense, a ferocidade do cabo Camata o leve ao segundo turno no Espírito Santo e proliferem, nascendo onde mais deveriam ser repelidas, propostas de violência extremada contra a criminalidade no Rio.
A amplitude desta conjugação, que comporta muitas referências mais, obriga a ficar no exemplo de maior realce hoje em dia, o do Rio. A começar, nele, pela conclamação de ontem do desembargador Antonio Carlos Amorim, segundo o qual as favelas têm que ser invadidas pelos militares ``com tanques, com armas pesadas, tem que ser duro, tem que acabar com tudo de uma vez só".
A evidência de desconhecimento da realidade social e, em particular, da realidade das favelas, que são concentrações de trabalhadores infiltradas por bandos marginais, já é grave por si só. Mas a conclamação vai mais longe: dá à proposta a configuração de apelo à carnificina, ao genocídio, dadas as características físicas das favelas que o autor ignora ou faz por ignorar. E, no entanto, esse autor é nada menos do que presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, instituição cujo nome dispensa lembrar o que dela deveria emanar para a sociedade. É verdade que não se trata de desembargador com formação de magistrado, mas do nomeado para uma das vagas de advogado na desembargadoria. Isto, porém, nada muda a responsabilidade institucional e social da função, que o ocupante pode engrandecer ou não, mas não pode alterar.
Reunião, segundo o noticiário, de intelectuais, artistas, empresários e entidades de classe, o Movimento Viva Rio não tem supreendido menos. Entre as propostas que levará aos candidatos do segundo turno está, por exemplo, a criação de uma força de combate de elite nos moldes da Swat americana. A proposta não considera a experiência.
Ainda no absolutismo do AI-5 já era tão grave a violência urbana, que o general posto na secretaria de Segurança fluminense criou um grupo tipo a Swat, chamado ``os homens de ouro". O que havia de melhor para a finalidade. A criminalidade não diminuiu, porém. Aumentou, com a contribuição dos ``homens de ouro". Como resultado final, não sei se algum deles conseguiu não se passar para o banditismo puro e mais pesado. Mas Mariel Mariscot ficou como símbolo muito apropriado dos ``homens de ouro".
Grupos do tipo Swat são formados, necessariamente, por matadores. Seus métodos correspondem à vocação geral, que nem a perda do emprego alivia: os mercenários de crimes políticos e guerras na África e na Ásia são, em grande número, provenientes de grupos tipo Swat criados na Alemanha para combater o Baden Meinhoff, na Bélgica e de americanos saídos da Swat mesma, segundo o depoimento de um dos comandantes-mercenários. A proposta de um grupo mortífero não fica bem em um movimento chamado Viva Rio.
A criminalidade do Rio tem que ser combatida pela inteligência decente. Do contrário, muitos dos que estão pedindo a ação militar nas favelas estarão, mais tarde, entre os que vão fazer protestos contra a violência bárbara da repressão, a violação dos direitos humanos, a vitimação de inocentes, os desaparecimentos.

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