São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 1994
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Inteligência

OTÁVIO FRIAS FILHO

Otavio Frias Filho
Parece que a síndrome de Forrest Gump realmente baixou. Coincidência ou não, enquanto as aventuras do personagem de QI 75 lotam os cinemas, dois pesquisadores americanos tentam provar que o QI dos negros é na média 15 pontos inferior ao dos brancos.
No livro ``A Curva do Sino", eles defendem a tese de que essa suposta diferença é genética e não depende de fatores ambientais. Em amostras de classe média, dizem, a diferença constatada teria sido ainda maior do que na base da sociedade.
Ou seja, os negros tendem a ser marginalizados por serem pouco inteligentes, não o contrário. Em contrapartida, o livro afirma que chineses, japoneses, coreanos e judeus têm QI superior ao dos descendentes de europeus.
Nem é preciso dizer o quanto explosiva e politicamente perigosa é a tese, e não apenas no sentido de legitimar o racismo. A controvérsia coloca o poderoso movimento pela igualdade étnica nos EUA em choque aberto com a liberdade intelectual, pelo menos quando levada a tais limites.
À distância, é interessante observar que a ``revelação" contida no livro (na verdade, teorias desse tipo reaparecem de tempos em tempos) segue a corrente regressiva que caracteriza a nossa época; foi propiciada por ela.
Há duas gerações vínhamos nos acostumando à idéia de que os fatores sociais, históricos, prevalecem sobre os genéticos. Na atual correria ideológica para retroceder, a biologia, revitalizada na sua condição de nova fronteira da ciência, prepara a vingança contra a história.
Não faz muito tempo um estudo científico provou, dizem, que o homossexualismo corresponde não só a uma diferença genética, mas que ela é morfologicamente identificável. E agora, essa história de QI.
O problema desses ``estudos científicos" –a rigor, de toda a ciência moderna– é que a imensa maioria de leigos não tem interesse nem qualificação para confirmá-los.
Pior ainda é quando essa confirmação, em vez de inatingível pela experiência leiga, como ocorre com a física ou a matemática, coincide com preconceitos ancestrais, caso de ``A Curva do Sino".
De toda forma, quem passa por um exame de QI às vezes é levado à dúvida sobre quem é menos inteligente, o testado ou o teste. Como na piada sobre o jogo de xadrez, acabamos desconfiando que testes de QI medem mesmo é a capacidade de resolver testes de QI.
Na tentativa de isolar fatores culturais a fim de atingir o que possa haver de congênito em matéria de inteligência, esses testes quase sempre se resumem a medir a aptidão para reconhecer séries geométricas ou numéricas.
Toda uma inteligência concreta, simbólica e sensível –poderíamos dizer histórica– fica de fora. Por sua própria natureza, ela não se presta a quantificações. Depende de estímulos intuitivos e circunstanciais.
Esse tipo de inteligência é determinada pelo problema, em vez de determiná-lo. E na maior parte das vezes, o que chamamos de inteligência não passa de necessidade vital, prática, de resolver um problema. Situação oposta, aliás, à dos testes de QI.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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