São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 1994
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Corrupção –origem e combate

LUIS ROBERTO PONTE

A execução das obras e serviços públicos de engenharia é apontada, de forma passional, como um foco generalizado de corrupção. Embora haja um forte denuncismo irresponsável, esta fama só existe porque, de fato, há exemplos dessa vergonhosa prática em todo o espectro dos fornecimentos ao Estado.
Não examinaremos aqui a sua extensão, o vulto dos valores espúrios envolvidos ou a sua destinação. Tampouco apontaremos quais dentre seus agentes são passivos ou ativos, culpados ou inocentes úteis, beneficiários ou apenas vítimas de extorsão. Essas são reflexões sobre a maneira como essa prática se viabiliza, e a forma de impedi-la.
Na condição de ex-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), entidade nacional que congrega as empresas responsáveis pela implementação da engenharia no Brasil, queremos dar um testemunho: a questão mais debatida nos encontros da CBIC, o desejo mais profundo dos seus membros, o esforço mais vigoroso dos seus dirigentes, o sonho mais acalentado dos seus afiliados são a eliminação definitiva dessa prática infame.
O setor tem consciência de que esse cancro, mesmo não tendo hoje a dimensão propalada, denigre a sua imagem, promove a injustiça, desserve as suas empresas, reduz o seu mercado de trabalho e deforma o caráter da nação. Sabe que uma extorsão de 20% do que se gasta em investimentos suprime recursos que dariam para construir uma obra a mais, em cada quatro contratadas, ampliando em 25% o seu mercado de trabalho.
Inserimos, na Constituição de 1988, com os aplausos do setor, o inciso XXI, do art. 37, que determina:
``XXI – Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes."
Ora, se, salvo as restritas exceções da lei, somente por licitação podem-se contratar fornecimentos, obras e serviços para o governo, basta que o processo licitatório garanta os princípios constitucionais da isonomia, da moralidade, da publicidade e da probidade administrativa para se garantir a lisura dos contratos dela decorrentes.
Com esse objetivo, apresentamos, em 1991, também com grande apoio e participação do setor, um projeto de lei para regulamentar o inciso XXI do art. 37, que, após um longo debate no Congresso Nacional, e ampla participação de toda a sociedade, converteu-se, em junho de 1993, na lei 8.666, que passou a exigir a observância, nas licitações, de princípios que evitam a corrupção e garantem a seleção da melhor proposta.
Essa lei impede a contratação a preços exagerados, mesmo havendo um acordo entre os participantes, tendo em vista que obriga o órgão a preparar e divulgar orçamento completo e detalhado de seu objeto, e a estabelecer um preço máximo para aceitação das propostas.
Todavia, alguns órgãos já estão procurando dar a dispositivos da lei interpretação distorcida, objetivando reintroduzir antigos mecanismos que permitiam as concorrências dirigidas, de cartas marcadas, com a escolha imperial de seus vencedores, o que é a matriz de todo o processo de elevação espúria dos preços contratados.
O governo deve centrar o seu esforço no aprimoramento do processo licitatório, se desejar, de verdade, resolver essa questão. Deve, com a contribuição dos interessados na depuração do processo, preparar um decreto de regulamentação da lei 8.666, que, em nível mais detalhado, explicite a correta interpretação dos dispositivos que estejam sendo perniciosamente mal utilizados.
Outra providência de grande eficácia que o governo poderia adotar é a criação de uma comissão de alto nível para receber denúncias sobre editais de concorrência ``envenenados", contendo dispositivos que contrariem o espírito da lei. Levamos, recentemente, ao ministro Romildo Canhim essas sugestões, que foram recebidas com a manifestação de agrado e de intenção de implementá-las.
Em abril de 1991, concitamos os companheiros da CBIC a reagirem contra um processo de direcionamento das licitações que visivelmente se institucionalizava. A CBIC, na memorável Carta de Belo Horizonte, aprovada pela unanimidade dos presentes, denunciou, pela primeira vez, publicamente, o alastramento dessa prática corruptora do então todo-poderoso governo Fernando Collor.
Naquela ocasião, levamos idênticas sugestões para sanear as licitações a algumas figuras impolutas da cúpula governamental, que, lamentavelmente, não quiseram ou não puderam implementá-las. Todos sabem as consequências.
A participação e a fiscalização permanentes por parte das empresas interessadas, suas entidades de classe, e da sociedade civil, são indispensáveis para que a lei 8.666 atinja seus importantes objetivos.
Quanto às denúncias de ocorrências anteriores de contratos viciados, as providências a tomar são singelas: verificar se eles são de preços abusivos e, caso confirmado, rescindi-los, fazendo os beneficiários do ``superfaturamento" ressarcir o erário e os culpados receber a devida punição.
O que não se deve é, sem apurar a verdade, fazer ameaças nominadas de punição, o que não repõe o erário e ainda passa a idéia de impunidade de empresas já condenadas.

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