São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 1994
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Conquistas ameaçadas

JAIR MENEGUELLI

Embora o atual presidente abra as portas de seu gabinete para a CUT (Central Única dos Trabalhadores) e o presidente eleito demonstre, em discurso de palanque para o segundo turno dos Estados, que adotará políticas avançadas na área trabalhista, as medidas impopulares já começam a surgir no vácuo da propaganda ostensiva do Plano Real.
Nós, representantes eleitos e reeleitos da bancada sindicalista, devemos estar atentos aos projetos apresentados no final deste governo que visam inibir a atuação dos sindicatos nos processos trabalhistas.
Depois de dez anos à frente da CUT, lutando do lado de fora do Congresso para garantir conquistas aos interesses da classe trabalhadora, não posso agora, eleito deputado federal, assistir passivamente nossas bandeiras serem utilizadas pelo presidente eleito como forma de desviar a atenção de todos, enquanto projetos retrógrados são apresentados pelo atual governo.
Amparado no mandato que irei assumir no próximo ano, inicio a fiscalização dos interesses dos trabalhadores como parlamentar, dando continuidade à atuação que marcou nossa trajetória desde 1981, quando chegamos à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
O presidente eleito Fernando Henrique Cardoso não deve ter esquecido tudo o que escreveu e tampouco sua atuação junto aos metalúrgicos do ABC, pois apresenta como suas as propostas de contrato coletivo de trabalho e do fim da unicidade sindical.
É fácil falar de contrato coletivo agora, depois que nossa proposta de câmara setorial para as montadoras foi implementada e deu ótimos resultados. As câmaras setoriais são o embrião para o contrato coletivo de trabalho. Apoiamos a expansão dessa idéia para outros setores até que essa conquista beneficie toda a classe trabalhadora.
Fernando Henrique Cardoso e sua equipe sabem que somente então teremos condições de implantar o contrato coletivo de trabalho e, também, que esta é uma bandeira antiga da CUT.
Esse projeto, quando implantado, será a prova de amadurecimento das relações capital e trabalho, pois retira do Parlamento a responsabilidade de regulamentar essa relação. O governo também passaria a participar desse debate apenas como patrão, deixando de ser o mediador.
No entanto, alertamos, como sempre o fizemos, que o contrato coletivo deverá ser implantado sem que, no início, joguemos a CLT no lixo, porque não podemos deixar os trabalhadores desguarnecidos.
Quanto ao fim da unicidade sindical, o companheiro Vicente Paulo da Silva, Vicentinho, atual presidente da CUT, já demonstrou a indignação da entidade aos comentários de que a Central Única dos Trabalhadores seria contra a medida.
Reforçamos essa indignação recordando a nossa luta durante a Assembléia Constituinte pela liberdade de organização sindical, baseada principalmente no fim da unicidade sindical. Recordamos também à atual e à futura equipe de governo que a CGT, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e algumas confederações foram contra, não a CUT.
Consideramos positivo que o presidente eleito apareça com essas propostas agora que o quadro eleitoral, pelo menos federal, já esteja definido. O apoio da bancada sindicalista a essas propostas é garantido, pois seria a continuidade de uma luta iniciada muito antes.
A preocupação é de que esse ainda seja um discurso eleitoral ou, pior ainda, sirva apenas para maquiar a discussão sobre os projetos ``impopulares" apresentados no final deste governo, visando aliviar as pressões sobre a mudança de moeda –já que ainda faltam medidas importantes para constituir um verdadeiro plano de estabilização.
O fato preocupante, no entanto, é sobre o projeto encaminhado ao Congresso pelo ministro do Trabalho, Marcelo Pimentel, criando as comissões de conciliação nas empresas com mais de cem funcionários. Segundo o discurso de defesa desse projeto, as tais comissões serviriam para diminuir a quantidade de processos trabalhistas. Os impasses poderiam ser resolvidos, sem a necessidade de chegar aos tribunais, por essa comissão, formada por dois representantes eleitos pelos funcionários e outros dois indicados pela empresa.
No entanto, o projeto traz o objetivo concreto nas entrelinhas de isolar as entidades sindicais do processo na Justiça, já que a conciliação se daria com o trabalhador acompanhado ou não por seu sindicato.
Essa proposta entra em choque direto com o contrato coletivo, que prevê a atuação das comissões de fábrica na fiscalização da relação entre empregador e empregado. Além de abafar o movimento sindical, essas comissões seriam o embrião para a formação dos sindicatos por empresas. Nada mais retrógrado.
Não vamos aceitar que o discurso de avanço, com o fim da unicidade e a implantação do contrato coletivo, venha a prejudicar a discussão sobre esse projeto. Somos contra a comissão de conciliação apresentada pelo ministro e iremos lutar, mesmo antes da posse no Congresso, para que nenhuma conquista dos trabalhadores, como a atuação das comissões de fábricas, seja prejudicada.

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