São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Salários e expectativas ameaçam plano

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao completar o seu quarto mês, o Plano Real apresenta desempenho bem melhor do que todos os outros planos de estabilização aplicados no país desde 1986.
Considerados o terceiro e quarto mês de cada plano (momento em que os índices já não trazem resíduos da inflação velha) o Plano Real só perde para o Cruzado.
Mas há aí uma diferença essencial. No quarto mês do Cruzado, aplicava-se ainda um rigoroso congelamento, o mais bem sucedido de todos. E no Real os preços estão livres.
Em junho de 1986, os autores do Plano Cruzado já sabiam que a estabilidade se devia então ao congelamento e não às condições estrutrais do programa.
A equipe econômica da época tentou, logo após, aproveitar uma reunião geral com o então presidente José Sarney, para aprovar medidas de correção, entre as quais a alta de juros e a contenção do consumo, muito aquecido.
Mas o presidente Sarney, inebriado pelo sucesso do plano, recusou qualquer ajuste. A inflação foi mantida no congelamento até novembro, mês da eleição, quando chegou a 2,5%. Pulou para 7,6% em dezembro e explodiu em 1987.
Alguns dos autores do Cruzado, como Edmar Bacha, Pérsio Arida e André Lara Resende, que deixaram o governo Sarney quando não conseguiram os ajustes, foram também responsáveis pelo Plano Real, oito anos depois.
E desta vez, numa equipe coerente, conseguiram aplicar as medidas de restrição ao crédito para conter o consumo, no quarto mês do programa.
Argentina
O Real apresenta ainda resultado muito semelhante ao do Plano Cavallo (Argentina, 1991), bem sucedido até aqui. Há também óbvias semelhanças teóricas entre os dois programas.
No caso argentino, entretanto, a inflação é declinante do terceiro para o quarto mês, enquanto é ascendente no Brasil.
Mas os fatores de alta no Brasil são circunstanciais e não decorrentes de problemas estruturais duradouros.
Os preços subiram por causa da entressafra, geada e seca, no caso dos alimentos; de alta do comércio externo, no caso de algumas matérias-primas; e do consumo doméstico excessivo, caso especialmente dos eletroeletrônicos.
O clima está se normalizando. As matérias-primas se estabilizam. E o governo atacou o consumo que estava muito aquecido com o arrocho do crédito.
Não há pressão inflacionária por causa de fatores estruturais, como déficit nas contas públicas ou desarranjo nas contas externas.
A Argentina também enfrentou problemas semelhantes. A inflação declinou até o oitavo mês, dezembro de 1991, quando chegou a 1,2%. E voltou a subir, alcançando 4,3% em março de 1992. No mês seguinte, com ajustes, caiu abaixo de 2%.
Ambiente
Na verdade, o Plano Real enfrenta dois problemas neste momento. Um é a expectativa dos agentes econômicos, mais assustados nos últimos dias. Outro, mais grave, é a indexação salarial pelo IPC-r.
O ambiente tornou-se mais delicado em seguida às medidas anticonsumo. Como a equipe não as tomou todas de uma só vez, deu a impressão de vacilação.
Além disso, o verdadeiro dono do plano, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, deixou a cena econômica, ocupada por um ministro da Fazenda, Ciro Gomes, que age mais para assustar do que para tranquilizar.
Com a acomodação das medidas de restrição ao crédito para encolher o consumo, os agentes esperam que FHC, de volta, crie expectativas positivas em relação ao desenvolvimento do plano.
Fica o problema da indexação dos salários. Em dezembro deste ano, o IPC-r estará passando dos 20%. E todo mês, até junho de 95, quando morre, corrigirá salários em valor sempre ascendente.
A alternativa aí é suportar a pressão, e tolerar índices de inflação mais elevados em todo o primeiro semestre, ou tentar corrigir todos os salários de uma só vez, ``zerar o IPC-r" em janeiro, por exemplo, e aplicar a livre negociação a partir daí.
Qualquer saída é politicamente difícil. Mas Fernando Henrique Cardoso entra com muita força política.

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sobre o assunto na pág. 2-4

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