São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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As ondas do Rio

JANIO DE FREITAS

Em São Paulo no começo da semana e, até ontem, por telefonemas para outros estados, constatei a impressão geral de que nas últimas semanas o Rio foi levado ao pânico, estamos acuados e acoelhados. Ando por aí, olho tudo em volta, ouço conhecidos e desconhecidos –nada mudou. A gravidade da violência é a mesma, não só de semanas atrás, mas a mesma dos muitos últimos anos. Dou uma olhada nos telejornais, vejo vários jornais –ah, aí a situação é desesperadora.
Bem, esses noticiários têm divulgado uma sucessão de fatos novos que atestam o agravamento da situação. Você soube pelas televisões e jornais que bandidos atacaram uma delegacia. Cujos policiais, em represália, foram à favela dos invasores e mataram 13. Quem viu o ataque à delegacia? Ninguém.
Mas bandidos sequestraram uma policial e a levaram para uma favela, não foi? E os colegas de delegacia partiram prontamente para uma operação de resgate na favela, com as consequências de praxe. Admirável exemplo, afinal os bandidos não podem chegar a tamanha audácia, sequestrar uma policial. Por azar, não chegou a haver o resgate. Mas só porque não tinha havido sequestro, a moça estava costurando em casa.
O que não chegou a merecer maior atenção do noticiário, quando descoberto. A informação do sequestro, segundo os policiais, foi de um telefonema anônimo. Você, leitor, tem toda a liberdade de admitir, ou não, que policiais experimentados façam uma operação daquele porte a partir só de um telefonema anônimo. E sem dar sequer um telefonema para a casa da suposta sequestrada.
Também vimos nas televisões e nos jornais que um experiente delegado, esperando o ataque que lhe fora anunciado, mandou erguer um muro especial diante da sua delegacia. No dia seguinte, vimos as imagens de um policial com uma metralhadora pesada, de guerra, plantada no parapeito da janela da delegacia, à espera do ataque. Isto rendeu vários dias de noticiário bem realçado. Até delegacias sob ataque dos marginais, a que ponto chegou o Rio. Ainda bem que a polícia sabe das coisas. Prova disso é que, nesse caso, o muro, as armas pesadas, as entrevistas, os vídeos, as fotos de primeira página, as manchetes, tudo nasceu de um telefonema anônimo que, mais tarde, o experiente delegado disse ter alguém recebido na delegacia.
É verdade que mais de uma escola pública suspendeu as aulas, aconselhadas todas a fazê-lo porque ameaçadas de invasão por traficantes. Seriam, é de presumir, traficantes de crianças. Não se sabe. O que se sabe, agora, é que foram aconselhadas por autoridades a suspender as aulas porque cada uma recebeu um telefonema anônimo avisando do ataque iminente. Se não houve os ataques, não faz mal. O que importa é que cada escola alcançou a oportunidade de aparecer na televisão e nas primeiras páginas, como provas do cerco e do pânico no Rio.
Estes foram os fatos, ou as notícias, cuja relevância impressionou o presidente Itamar e o ministro Alexandre Dupeyrat, da Justiça. E levou às televisões e às manchetes a iminência da intervenção federal no Rio, do estado de sítio, do estado de defesa. A propósito, durante três dias tentei localizar a origem, entre as autoridades, da proposta que resultou em tal noticiário. Se ao ministro Dupeyrat faltassem outras qualidades, sobram-lhe as da discrição e da sobriedade, que há tempos não eram vistas no seu ministério. Dele não partiu informação sobre a proposta divulgada, até por não a apoiar a priori. Também não dos ministros militares, adeptos, todos, de participação limitada do seu pessoal. Não partiu do presidente Itamar, nem dos seus assessores mais próximos, todos contrários a medidas extremadas. Não se localiza a proposta senão nas televisões e nas manchetes.
Há dias, lembrei aqui, graças a uma entrevista da deputada Cidinha Campos, que antes da eleição para prefeito irromperam os arrastões nas praias. Logo que se caracterizou a derrota de Benedita da Silva, os arrastões cessaram e o verão correu tranquilo. Antes do recente primeiro turno, surgiu o escândalo dos seguidos assaltos em túneis que, além da falta de assaltados e de assaltantes, desapareceram com a eleição. Agora, a caminho do segundo turno, a nova onda.
A situação do Rio, gerada pelas quadrilhas e mesmo pela polícia, é grave e difícil. Sem a colaboração federal, não será atenuada na medida necessária. Mas há outras coisas de mesma ou maior gravidade, maior talvez porque de implicações institucionais.

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