São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Lua-de-mel na Europa

MARCELO LEITE

Fernando Collor de Mello conseguia desacorçoar muitos repórteres –não todos– à custa de empáfia e agressividade. Fernando Henrique Cardoso vem obtendo efeito semelhante com toda a imprensa, só que na base da simpatia e da presença de espírito.
Não há outra explicação para o tratamento por demais respeitoso que jornais e revistas vêm reservando ao presidente eleito. E, por extensão, ao ministro da Fazenda escalado para vigiar o Plano Real e ao seu chefe, o ainda presidente Itamar Franco.
É verdade que FHC não tomou posse; merece, portanto, que lhe sejam concedidos um crédito de confiança e algum sossego (para livrar-se do assédio da imprensa, supostamente, abalou-se para o Leste Europeu –onde não parou de dar entrevistas, como bem notou a revista ``Veja"). Mas também é certo que ele nunca se afastou realmente do centro do poder e da gestão do plano, do ``seu" plano.
O mesmo plano que, agora, enfrenta dificuldades (infelizmente, ressalvo). Enquanto o presidente eleito passeia pela Europa, o consumo se aqueceu de forma tão ameaçadora –para essa entidade misteriosa conhecida como ``equipe econômica"– que se baixou um temível pacote de arrocho ao crédito.
O mesmo pacote que o presidente da República prometera que não viria após as eleições. Uma promessa feita em artigo publicado pela maioria dos jornais nas vésperas da votação. E que, estranhamente, não foi lembrada por esses jornais quando foi rompida.
Os mesmos jornais que registraram acanhadamente, em suas edições de anteontem, que o sacrossanto limite para a emissão de reais tinha sido abandonado. Ou cujo teto, na linguagem eufemística de economistas, tinha sido elevado em 70%. Ora, os leitores tinham sido doutrinados meses a fio, por Fernando Henrique e equipe, no sentido de considerar a temida base monetária como a pedra de toque do Real. É natural, nesta altura, que esperem de seus jornais uma explicação razoável para o que está acontecendo.
Eleonora de Lucena, secretária de Redação da Folha responsável pela área de Edição, também se diz insatisfeita com a reportagem de sexta-feira sobre o estouro do limite monetário. Afirma que a informação só chegou à Redação por volta das 21h e que foi feita uma ``troca urgente" para incluí-la ao menos em parte da edição Nacional.
O fato é que as explicações não avançaram muito na edição Nacional de ontem (que eu tinha em mãos quando redigi esta coluna). Basta dizer que, para Pedro Malan, presidente do Banco Central, a explosão da base monetária ``é uma prova de sucesso e não de fracasso do programa". Como seu mestre mandou: ``Esqueçam tudo o que eu escrevi".
Mal-explicado também ficou, até agora, o papel do ministro da Fazenda, Ciro Gomes, nessa confusão. Sobre o pronunciamento de anteontem na TV, por exemplo, insinuou-se aqui e ali na imprensa que teria sido imposto ao ministro por Itamar Franco. O presidente estaria insatisfeito com a retórica temerária de seu jovem auxiliar, dado a contemplar consumidores e industriais com nomes como ``otários" e ``canalhas".
Na edição de anteontem, a Folha publicou um curto e nebuloso texto sobre a presença de Ciro Gomes no Rio de Janeiro, na quinta-feira, ``cercada de sigilo e boatos". Mencionava-se a possível ocorrência de uma reunião com importantes membros da ``equipe econômica" (Edmar Bacha e Clóvis Carvalho), encontro este que não pôde ser confirmado.
Por essas e por outras, é comum ouvir entre jornalistas que Ciro Gomes é um desastre para Fernando Henrique, mas nenhum ainda foi capaz de esclarecer isso claramente para seus leitores.
Para Eleonora de Lucena, ``não é de hoje" que a reportagem da Folha encontra dificuldades para explicar didaticamente medidas econômicas e para obter informações detalhadas sobre o cotidiano das decisões na famosa ``equipe" (ou suas não menos famosas antecessoras). Na sua opinião, isso torna a cobertura ``excessivamente oficial", mas não considera que a da Folha seja mais desinformada que a de seus concorrentes.
Em defesa do jornal, ela aponta a manchete exclusiva da edição de quinta-feira, ``FHC prepara substituto ao IPMF", sobre a idéia de tansformar o imposto do cheque em mais um empréstimo compulsório.
A notícia tinha toda aparência do que em jargão jornalístico se chama de ``balão de ensaio" (anuncia-se como certa uma medida ainda em estudo, para colher antecipadamente as reações do público). Na própria quinta-feira, porém, um graduado assessor de FHC, Paulo Renato de Costa Souza, dava declarações em Porto Alegre que corroboravam parcial mas não exatamente a notícia.
A grande confirmação, claro, deveria partir do presidente eleito. Em Praga, capital da República Tcheca, a pergunta obviamente lhe foi feita. E o que ele respondeu? Nada. Ou melhor, brincou: ``Vou ter que nomear logo o ministro da Fazenda, porque não sei quem está falando em meu nome".
Em outras palavras, desconversou. E a Folha limitou-se a reproduzir sua resposta jocosa. Coisa pior aconteceu com a idéia de transferir temporariamente o governo federal para o Rio, que FHC teria aventado em sua vilegiatura pela Boêmia. Vários jornais noticiaram.
No dia seguinte, provavelmente para não eclipsar o canto de cisne bélico-intervencionista de Itamar Franco, Fernando Henrique negou tudo em nota docilmente acolhida nas páginas dos jornais. Afinal ele falou aquilo ou não? Está gravado? Arrependeu-se, talvez?
O leitor continua sem saber.

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