São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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O imposto mais justo é o combate à evasão

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma questão fundamental do futuro governo federal é a obtenção de recursos financeiros adicionais para suportar os encargos e responsabilidades de seu programa de ação, principalmente para demonstrar ao país, pelas realizações que vier a efetuar, que o eleitorado não errou ao elegê-lo e que está correspondendo à confiança nele depositada.
Essa necessidade de recursos se torna mais dramática, tendo em vista que o Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), responsável por um arrecadação estimada em torno de US$ 4,5 bilhões em 1994, está com os seus dias de existência contados. É que a emenda constitucional nº 3/93, que o instituiu, para lhe dar temporariedade, determinou a sua extinção em 31 de dezembro deste ano.
Uma das âncoras do plano de estabilização monetária, embora pouco citada, é o incremento progressivo da arrecadação federal, de sorte a eliminar o déficit fiscal ou, pelo menos, torná-lo insignificante, evitando-se que o governo tenha de se financiar via emissão de moeda ou tomada de recursos de particulares por meio do crédito público, que elevaria a taxa de juros do mercado, ocasionando o ressurgir da ciranda financeira e comprometendo a programação da política de estabilização.
Obviamente, os tecnocratas planejadores estão apreensivos e excitados com a perspectiva de que haja menor disponibilidade de recursos em 1995 do que em 1994.
Uma rotina histórica, principalmente dos últimos 30 anos, desse setor estratégico do planejamento e da inteligência governamental, é a de que, diante de uma grande dificuldade de caixa do Tesouro, comece-se a pensar em uma reforma tributária, materializada na criação de uma nova incidência, em um novo imposto ou na elevação da carga tributária existente, mediante a majoração de impostos sobre setores do universo de contribuintes que não têm como se evadir dessa manipulação da legislação tributária.
Um novo governo, comprometido com mudanças efetivas, que deseja fugir ao rotineiro e realmente trabalhar pela implantação de um nível mais elevado de justiça no país, como o do futuro presidente Fernando Henrique, não pode se engajar no discurso e prática tradicionais. Tem o compromisso de inovar, generosamente, no mundo tributário.
A inovação que o povo aguarda e que os contribuintes corretos anseiam é que a carga tributária individual não seja mais uma vez elevada, como no passado.
Para que tal não ocorra, é preciso que o futuro governo tome consciência de que o mais justo e necessário imposto a ser criado é o combate irrestrito e incondicional à evasão e à sonegação, dentro da estrita legalidade.
É tão elevada a evasão deste país que, havendo vontade política dos titulares do poder efetivo –Presidente da República e seu ministro da Fazenda–, o incremento da arrecadação decorrente da luta contra os evasores será significativo e crescente. É tão alarmante a evasão no país, que se situa em torno de 50% da base tributária. Isto é, para cada real arrecadado, outro é evadido.
Haverá, adotada essa linha, não só a satisfação dos contribuintes leais, pois, ao contrário de antigamente, a corda não arrebentará do lado que tem sido mais fraco, mas o governo terá demonstrado acreditar na sua capacidade de trabalho, vale dizer, de conseguir ser efetivo em obter incrementos de arrecadação por melhoria de sua eficácia na ação administrativa de exigir a observância da lei tributária.
A adoção de uma linha de ação de combate à evasão pelo presidente Fernando Henrique será, em verdade, dar continuidade à sua conduta e orientação como ministro da Fazenda, de que fui testemunha e instrumento.
A Secretaria da Receita Federal, durante a gestão ministerial na Fazenda de Fernando Henrique, foi prestigiada e submetida a um amplo processo de modernização, que resultou no seu dinamismo e na obtenção de aumentos consideráveis de arrecadação.
Em 1992, a arrecadação foi de US$ 36,5 bilhões; em 1993, de US$ 46,3 bilhões; e para o exercício deste ano espera-se, com base em projeções, arrecadação superior a US$ 62 bilhões.
Os aumentos de arrecadação foram, no substancial, decorrentes da ação da Receita Federal no combate à evasão. As alterações da legislação tributária não foram significativas, para corresponder a tais elevações de arrecadação.
Esse combate à evasão é a forma mais efetiva e racional de alargar a base tributária. Nada de dar ouvidos à tecnocracia que aconselha aumentar a base tributária na lei. Não resolve. Aumenta-se a base apenas em teoria. Quem continua a pagar o imposto são os de sempre: aqueles que não têm como fugir. Os que deveriam pagar, como sempre, evadem-se.
É a hora de fazer comparecer aos cofres do Tesouro recursos que têm sido evadidos. E punir penalmente, inclusive com privação de liberdade, os sonegadores, que praticam crimes contra a ordem tributária.
Esse sabotador do Estado e do povo brasileiro tem de saber que o seu encontro marcado é com a cadeia. O governo e a administração têm de cumprir as leis para que se tenha um melhor nível de civilidade e justiça neste país.
E, como consequência de tudo isso, fazer-se um pacto. A elevação da receita, por combate à evasão, há de servir para aumentar a arrecadação federal, mas também há de propiciar a diminuição da carga tributária dos trabalhadores, que sempre pagaram corretamente seu imposto.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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