São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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MP 681, moeda, juros e câmbio

ANTONIO KANDIR

Na semana passada, o governo reeditou a medida provisória (MP) que criou o Plano Real, redefinindo as regras relativas à emissão monetária.
Não faltará quem veja na redefinição, que ampliou os limites do governo para a emissão de reais, prova de tibiez na luta pela estabilidade dos preços. Nada mais incorreto.
Longe de marcar ruptura com a austeridade monetária, a redefinição constitui ajuste necessário para permitir administração adequada do plano de estabilização frente a fatos que eram impredizíveis, com exatidão, no momento em que a primeira medida provisória do Plano Real foi elaborada.
As metas iniciais de emissão monetária foram fixadas com base em determinada expectativa da demanda pela nova moeda, o real. Nada mais difícil que predizer com exatidão qual a demanda por moeda no momento de desaceleração vertiginosa do ritmo da inflação.
Pois bem, a demanda pela nova moeda, fruto da confiança que despertou na população brasileira, vem superando as expectativas iniciais. Esse é o primeiro fato novo.
O segundo fato novo é o correlato do primeiro no plano político. Quem poderia predizer, há quatro meses, que Fernando Henrique Cardoso seria eleito presidente no primeiro turno, com 54% dos votos válidos?
A vitória do candidato tucano reforçou expectativas favoráveis quanto à solidez da nova moeda e aumentou a entrada de dólares no país, tendência que deve se acentuar em função do otimismo com as perspectivas do Brasil no médio e longo prazos.
O cenário certamente não seria este caso tivesse sido outro o resultado da recente eleição presidencial.
Frente ao quadro que se foi desenhando ao longo dos últimos quatro meses, manter as metas iniciais seria um erro.
Por que então não deveria ter o governo alterado-as, apenas para satisfazer os espíritos mais formalistas e não arranhar a reputação preditiva da ciência econômica?
As consequências seriam claramente negativas. Preso a uma meta de emissão de moeda que se revelou excessivamente restritiva frente à demanda genuína por reais, como poderia responder o Banco Central ao processo de entrada crescente de dólares na economia brasileira?
Como as providências já adotadas para criar demanda interna por dólares não surtem efeito importante, ao menos no curto prazo, restariam duas alternativas, ambas ruins.
A primeira seria deixar o real valorizar-se e, a segunda, intervir no mercado de câmbio, comprando a moeda norte-americana e emitindo reais, para em seguida ver-se obrigado a enxugar o excesso de liquidez via colocação de títulos, aumentando as já elevadas taxas de juros.
A primeira alternativa resultaria em grave desarticulação do setor exportador e prejudicaria as indústrias instaladas no Brasil no processo de concorrência com produtos importados.
A segunda alternativa teria custo financeiro importante para os setores público e privado e afetaria negativamente, no curto prazo, as expectativas quanto às taxas de inflação e a possibilidade de aumento dos níveis atuais de produção industrial.
Melhor que estas duas opções, portanto, é ampliar o grau de liberdade da Autoridade Monetária na condução do processo de estabilização econômica.
Nem é preciso dizer que a redefinição das metas de emissão de dinheiro pelo governo não resolve por si mesma o problema de compatibilizar as políticas de juro, câmbio e moeda, num momento delicado de transição para uma economia estável, aberta e competitiva.
Mas retira um obstáculo desnecessário à sintonia fina no manejo dessas políticas, sem a qual é impossível levar a bom termo o processo de estabilização econômica.

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