São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Soweto desafia o apartheid

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

Soweto é sigla para South West Township, um nome propositalmente impessoal, mas que desafiou a vontade do apartheid, adquirindo uma força que fez do bairro de Johannesburgo um dos símbolos da luta pelo fim da segragação racial na África do Sul.
A ``cidade" (``townships" eram as áreas reservadas aos negros, na periferia das regiões brancas) Soweto é tida como a mais violenta do mundo, com um índice de criminalidade duas vezes superior ao de Nova York. Abriga cerca de 4 milhões de negros e praticamente nenhum branco.
Foi lá que começou o Movimento da Consciência Negra, que moveu milhares de estudantes a enfrentarem a polícia em junho de 1976 e iniciarem algumas das práticas militantes que levaram este ano Nelson Madela à Presidência.
Entender a mente das pessoas nascidas e criadas em Soweto é básico para se compreender o percurso que a África do Sul ainda tem de caminhar até chegar a uma situação realmente democrática.
É a esse tipo de conhecimento que se tem acesso com a leitura de ``Born in Soweto" (``Nascido em Soweto"), da jornalista branca Heidi Holland (Penguin, 202 págs., 7,99 libras esterlinas).
Com 12 capítulos, o livro relata histórias de vida de vários sowetanos, muitas vezes na primeira pessoa, o que torna acessível seu ``modo de pensar".
No capítulo ``Getting Even" (``Ficando Igual", em tradução literal), o problema de um grupo que ficou em guerra durante 15 anos se torna evidente.
Foram os estudantes, e não seus pais, que iniciaram a luta contra o apartheid. Isso, em uma sociedade onde a autoridade dos mais velhos era central. Após 1976, essa estrutura de comando dos mais velhos desmontou: eram os jovens, muitos ainda púberes, que estavam, a partir de então, no comando.
Eram eles que não aceitavam mais a educação propositalmente inferior dada à sua etnia. Eram eles que preferiam morrer pela ``causa negra" a se submeter, como seus pais, ao governo branco.
Foram eles também que organizaram os exércitos que, a partir de 1984, começaram a causar sérias baixas nas poderosas Forças de Defesa Sul-Africanas.
Mas o sonho de Steven Biko, o principal líder da revolta de 1976, morto em tortura pela polícia, é agora alcançável pacificamente.
Cerca de um terço da população de Soweto cresceu com armas na mão, ódio aos brancos e sem nunca ter ido à escola.
Hoje, esses jovens têm o roubo como uma das únicas alternativas de ascensão social; têm no estupro uma de suas principais formas de demonstração de poder; têm como princípio a recusa a qualquer forma de disciplina –um professor pode morrer se repetir um aluno.
``Não é fácil ver progresso em um lugar como Soweto", diz a autora no epílogo. ``Mas há", conclui, com base em personagens que conseguiram encontrar uma saída criativa para suas vidas, mesmo com tantas carências.
(Fernando Rosseti)

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