São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Violência no Rio

A questão da violência no Rio de Janeiro costuma despertar paixões. Há desde os quevêem na divulgação do tema uma campanha para destruir a imagem da cidade até os que consideram que a bandidagem tomou conta do Rio e hoje só pode ser combatida pelas Forças Armadas e sob estado de defesa.
Em primeiro lugar, a violência urbana não é, ao contrário do Pão-de-Açúcar, monopólio do Rio. Chacinas, tráfico, contrabando e corrupção policial ocorrem em qualquer grande centro urbano do país. De outro lado, é forçoso reconhecer, as condições históricas e topográficas da capital fluminense deram a todos esses problemas comuns à maioria das metrópoles uma dimensão inédita, alarmante.
De fato, desde que deixou de ser a capital federal, o Rio como que perdeu sua vocação econômica. Passou por um período de desindustrialização (em 50 a indústria fluminense respondia por 25% da produção do país; em 80 essa cifra já havia caído para apenas 12%) que agravou os desníveis sociais.
Uma vez que a geografia carioca tende a colocar a população carente em áreas montanhosas próximas a bairros mais nobres, o morro passou a conviver lado a lado com os edifícios da classe média. Esse cenário não só aguça o conflito distributivo como faz com que até os mais ricos vivam a violência dos morros, amplificando uma barbárie que, em outras cidades, está mais ou menos restrita à periferia.
Pode-se dizer que uma solução duradoura para a questão da violência no Rio passa não só pela melhoria da distribuição de renda –isso vale para qualquer município brasileiro– como também por um programa específico de recuperação da economia da cidade, que, com as alarmantes notícias sobre criminalidade, sofre ainda mais.
É claro que a busca de uma solução duradoura não deve impedir que se enfrente o problema em seu aspecto emergencial. E não há dúvida de que ele é emergencial, ainda que pareça difícil discordar de que a mídia em geral, principalmente a eletrônica, tenha colocado seus holofotes sobre o tema. Não se pode esquecer de que o eleitor carioca definirá não só seu governador como também refará a votação para os cargos proporcionais.
E várias propostas vêm surgindo para fazer frente à criminalidade no Rio. Parece correto, por exemplo, que as Forças Armadas dêem algum tipo de contribuição. Não se trata, é óbvio, de substituir policiais por soldados. Não há nenhuma razão para acreditar que os militares não acabassem corrompidos da mesma forma que os policiais.
Ainda assim, as Forças Armadas poderiam, por exemplo, dar apoio logístico à necessária operação de depuração das polícias cariocas. Outra importante colaboração seria na vigilância de fronteiras, já que a maior parte das drogas e armas que provocam tanta violência não são nem mesmo produzidas no Brasil.
Pode-se até admitir que os militares participem de uma ou outra operação de maior envergadura nos morros, desde que estejam claros os objetivos e a duração da missão. Nunca é demais alertar para os riscos de as Forças Armadas atolarem numa operação do tipo Vietnã, invencível e intoleravelmente sanguinolenta. Soldados são treinados para matar, não para policiar.
Uma outra idéia que surgiu mais recentemente, a de decretar estado de defesa, parece de fato um exagero. Evidentemente, não é a dificuldade de apanhar os traficantes em flagrante ou o sigilo telefônico que estão impossibilitando uma ação eficaz da polícia. Assim, não há nenhuma razão para suspender garantias individuais, sobretudo num momento pré-eleitoral. Remédios extremos costumam provocar indesejáveis efeitos colaterais.
Como se vê, a questão da violência no Rio é um problema complexo que tem de ser enfrentado tanto em suas causas como em seus sintomas mais agudos. A inevitável lentidão da primeira frente não deve ocultar a urgência da segunda batalha. Há pessoas morrendo.

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