São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 1994
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``Futebol" da diretora Bia Lessa de futebol não apresenta nada

NELSON DE SÁ

"Futebol" da diretora Bia Lessa de futebol não apresenta nada
Há mais futebol, para não dizer criação, na imitação que o comediante Eri Johnson faz de Romário, na comédia popular ``Aluga-se um Namorado", do que em toda a montagem de ``Futebol", em cartaz no Teatro do Sesi, que deixou de ser Popular.
A peça é um acúmulo de futilidades pretensiosas. A começar de uma descrição da bola como ``um objeto redondo em forma de esfera", com ironia empostada, ao que parece para esconder o desconhecimento e o tratamento alienado do assunto.
São frases atrás de frases, supostos ``mots d'auteur", bobagens sem fim. ``É coisa de homem fazer as coisas com o pé", piadas assim. ``Milagre! É foot de pé, ball de bola. Futebol!" E todos saem gritando, pulando.
Não há ação no enredo, tensão real no diálogo. Ação, tensão, tudo é forçado na interpretação, que resulta de teatro infantil, como se a peça fosse de mentirinha –desculpada que está, expressamente, no desejo de ser uma parábola. Mentirinha já é um tom insuportável, em teatro infantil, quanto mais em teatro supostamente adulto.
E tome personagens estapeando pernilongos, tirando sujeira do sapato, ritmando espirros em grupo, limpando o chapéu. Ações que seguem a fórmula do amontoar referências, do primeiro teatro de Gerald Thomas, mas com efeito frívolo.
Ações gratuitas, que preenchem uma hora gratuita, conscientemente gratuita, como se indica quando a atriz Geórgia Gomide fecha uma sequência do gênero dizendo, alto e bom som: ``Meu Deus, que bobagem!"
Se a peça se considera uma bobagem, longe do crítico discordar. E longe da platéia, aliás. Na terceira apresentação, já houve quem deixasse o teatro antes do final. Não surpreende, diante do impacto nulo sobre o espectador. Não há risos, por exemplo, com o humor tentado: há risadinhas por piadinhas.
Na interpretacão, Maria Luísa Mendonça segue a tradição das atrizes tiradas dos grupos novos da Globo por Bia Lessa, carregando nas reações adolescentes e nos gestos masculinizados. Gestos que não ajudaram no domínio da bola. A atriz, que dá alguns chutes durante o espetáculo, acabou acertando o urdimento.
De todo modo, ainda é ela quem parece saber o que quer em cena. Não é o caso de Geórgia Gomide, protagonista de uma das cenas mais disparatadas de suicídio da história do teatro.
Também não é o caso de Zeca Camargo, que não dança, como poderia, que não entra como personagem público, como poderia: está em cena como ator. O que é um embaraço.
Também um embaraço, pode se dizer, é a produção do espetáculo. Com um elenco grande, com um grande cenário móvel, com músicos ao vivo, aliás, no pouco que sustenta a apresentação, ``Futebol" não pode reclamar de falta material. A falta é de outra ordem.

Título: Futebol
Autor: Alberto Renault
Direção: Bia Lessa
Cenário: Paulo Mendes da Rocha
Elenco: Geórgia Gomide, Zeca Camargo, Maria Luísa Mendonça
Quando: de quartas a sextas, às 20h30; aos sábados e domingos, às 18h e 20h30
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, região central de São Paulo, tel. 284-9787)
Quanto: Grátis. Os ingressos deve ser retirados com antecedência na bilheteria

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