São Paulo, quarta-feira, 2 de novembro de 1994
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Exigências limitadas

JANIO DE FREITAS
EXIGÊNCIAS LIMITADAS

Como forma de acordo, a solução foi boa para o Rio, por ter comprometido o governo federal com suas obrigações até então relegadas, e boa politicamente, por resguardar a autonomia administrativa do Estado e assim evitar um caso institucional complicado. A colaboração militar ficou circunscrita ao órgão especial de planejamento e coordenação das ações repressoras, prevenindo desde logo exorbitâncias prováveis sempre que as Forças Armadas saem de suas atribuições específicas. Em que medida a boa forma do acordo levará a bons resultados, já é questão imponderável.
A expectativa parece exagerada. Já se divulga até que da ação no Rio vai surgir o modelo para extinguir o narcotráfico e a violência em outras cidades. Calma. Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Itália, França, Suíça, para citar só os mais notórios, tentaram de tudo contra o narcotráfico. Hoje, em cada grande cidade daqueles países, as aglomerações de drogados dominam pontos urbanos importantes há poucos anos e agora não mais do que tétricos e perigosos.
Em Paris há estações de metrô que é preferível evitar a qualquer hora; na maioria delas, fora dos horários de alta frequência é improvável escapar de um assalto. Nova York, Washington, Los Angeles, já tinham, há mais de meio século, cada qual o seu bairro infrequentável pelo não-habitante; agora são vários. Amsterdam tem as zonas de frequência desaconselhada. A ordeira Suíça está registrando um roubo de automóvel a cada cinco minutos (automóvel, no caso, é Mercedes, Jaguar, Maseratti e outros de mesmo quilate). E por aí vai, mundo afora. É uma doença universal dos nossos dias, como a Aids. Não há de ser no Rio que surgirá o meio de curar qualquer destes dois males.
Calma. O que se pode almejar a prazo curto é a redução da violência bandida, que o narcotráfico disseminou. Mas não só ele: por que não dizermos, com a mesma veracidade, embora com maior incômodo, a violência que o consumo de drogas disseminou? Afinal, sem consumo não há tráfico. Mas o cuidado de não trazer a responsabilidade para tão perto de nós conduz a um erro, no qual há um risco para a operação que está sendo iniciada.
Este erro é situar nas favelas o narcotráfico. Em favela não há traficante: há vendedor. Assim como em certas boates, bares, restaurantes, portarias de hotel –e não só do Rio, não, se me perdoam os de Estados que se supõem muito mais puros. Limitando-nos, porém, à doença carioca, em Copacabana, por exemplo, numa noite há mais negócios com droga do que, provavelmente, na soma das favelas. Nas quais, também é bom não esquecer, a venda é feita sobretudo aos que saem do asfalto para lá fazer a sua compra.
O que vai ser combatido pela operação que se inicia é o narcotráfico que envolve toda a cidade, com seu rastro de roubos de carros e assaltos para a posterior compra de drogas; ou o vendedor da favela, que escandaliza com as armas adquiridas, antes de tudo, para combater o pretendente ao domínio do ponto? A operação, em suma, vai ao graúdo ou ficará só no miúdo?
É bom que afinal comece alguma ação, mas a verdade é que não se sabe ao que vai conduzir. Se distensionar o Rio, já será uma conquista.

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