São Paulo, quarta-feira, 2 de novembro de 1994
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Agenda européia para o Mercosul

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

Mesmo reconhecendo o peso das decisões governamentais na vida das comunidades, a experiência nos ensinou que o fator mais importante não é tanto a medida legal, ou o objetivo explícito invocado na hora de traçar os rumos macroeconômicos, mas sim a maneira como a sociedade se comporta diante das determinações vindas de cima.
Temos exemplos de sobra que comprovam essa observação. A maneira como o país reagiu à recessão –motivada principalmente pelos erros estratégicos de sucessivos planos econômicos– é um bom exemplo de adaptação a cenários mutantes da produção, da renda e do consumo. E a maturidade com que a população assumiu o Plano Real, tornando-o irreversível e cobrando atitudes consequentes das autoridades, revelou por inteiro a nova face do Brasil: participação e cidadania.
Não podemos deixar de lembrar também o envolvimento da população no impeachment do presidente Collor e em todo o longo processo de consolidação democrática. À credibilidade política foi acrescentada a credibilidade econômica, assentada sobre a intensificação do processo de inserção do país no mercado internacional. A ampla reforma monetária comprova que atingimos o estágio ideal para nos dedicar ao aprofundamento de questões emergentes de grande valor estratégico.
O aumento da competitividade através de uma integração entre o Mercosul –cenário onde o Brasil está inserido– e a União Européia, nos remete a práticas inspiradas exatamente por essa força das nossas próprias iniciativas, independente dos desvios de rota que possam ser provocados por medidas oficiais.
Felizmente, os rumos traçados têm sido os mais favoráveis possíveis, pois a partir de janeiro do próximo ano estará em pleno funcionamento a União Aduaneira e a Zona de Livre Comércio entre o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Teremos cerca de 85% dos produtos das pautas de exportação definidas por uma Tarifa Externa Comum, o que torna o Mercosul a segunda união aduaneira do mundo, seguindo os rumos do Mercado Comum Europeu que desaguou na União Européia. Com esse cenário favorável, fica ainda mais fácil nossa ação a favor da competitividade. A União Européia é o mais importante parceiro do Mercosul, representando 27% das exportações, basicamente produtos alimentares, bebidas e fumo, além de minérios, couros e produtos siderúrgicos.
Ou seja, uma pauta composta, em sua maioria, por produtos de menor valor agregado e de menor conteúdo tecnológico. No fluxo inverso, as exportações da União Européia para o Mercosul são compostas principalmente de máquinas e equipamentos químicos e material de transporte, que são produtos de maior valor agregado e de maior conteúdo tecnológico.
Precisamos incrementar as relações comerciais entre os dois blocos econômicos e assim ampliar o espectro de participação, com a consequente melhoria da natureza dos produtos intercambiados. Mas, como diversificar a pauta de exportações? Estreitar os laços com os centros de decisão na Europa é um esforço que o empresariado brasileiro precisa incrementar para não depender exclusivamente das missões diplomáticas, às voltas com limitações de natureza diversa.
Num estudo publicado pelo Instituto Roberto Simonsen, a doutora em administração de empresas professora Vera Thorstensen destacou a importância das visitas frequentes a Bruxelas, onde é proposta e executada a Política de Comércio Externo da União Européia.
Outro ponto é a busca e o contínuo acompanhamento de informações das inúmeras exigências sobre produtos importados que são feitas pelo mercado europeu.
É fundamental, por exemplo, entender os detalhes sobre os acordos preferenciais que a União Européia mantém com outros blocos econômicos. A cada medida de preferência, seja do tipo de redução tarifária, aumento de quotas ou o tratamento mais brando nos casos de dumping, o resultado é o desvio de produtos do Mercosul. Precisamos intensificar nossa presença em feiras e exposições e procurar estabelecer vínculos de financiamento para a exportação de máquinas e equipamentos para o bloco europeu.
Uma característica importante para qualquer proposta para um novo relacionamento é a ênfase aos acordos setoriais que permitam o comércio intra-indústrias entre dois parceiros. Isso leva à diversificação e ao impulso de mais valor tecnológico agregado aos produtos importados.
Deve-se dar destaque às associações entre empresas, a formação de joint ventures, apoio aos capitais europeus no processo de privatização das empresas estatais do Mercosul, além da criação de Câmaras Industriais Bilateriais que defendam os interesses comuns.
No novo tipo de relacionamento proporcionado pela realidade da globalização econômica, o importante é que a filosofia dos blocos regionais opte por uma forma de integração mais profunda.
Os acordos de integração econômicas gera ganhos dinâmicos de eficiência a partir de investimentos induzidos pelo crescimento do mercado e pelo maior estímulo à competição. Esses efeitos contribuem de maneira significativa para a exploração de economias de escala na produção, ampliação da eficiência técnica e da capacidade de inovação tecnológica na região integrada.
Com as relações empregatícias regidas pelas normas da Organização Mundial do Trabalho, com a crescente certificação nos rígidos parâmetros da ISO 9000, com a perspectiva de incrementar o trabalho de reciclagem de materiais e despoluição ambiental, e com suas práticas comerciais orientadas pela Organização Mundial do Comércio, o Brasil aumenta sua capacidade de integração com a União Européia.
Com uma ampla reforma fiscal e tributária, um aumento da eficiência da administração pública, com novos setores de atividades incorporados ao mundo dos negócios, como energia e telecomunicações, poderemos oferecer um pacote importante que elimina a imagem negativa do Fator Brasil.

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