São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994
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Riqueza concedida

JANIO DE FREITAS

Privatizações e concessões têm a mesma natureza das concorrências públicas, se vistas em função da moralidade administrativa. Por isso mesmo, as privatizações foram interrompidas pelo presidente Itamar Franco, para reformulação dos seus métodos. Das concessões, também "modernizantes", temos agora o primeiro exemplo com a cessão da ponte Rio-Niterói para exploração particular por 20 anos, em troca das obras de que necessita.
A concessão começou a ser preparada por Alberto Goldman, quando ministro dos Transportes, como representante do grupo de Quércia. Propagava ele, então, a necessidade de US$ 200 milhões, no mínimo, para a recuperação das estruturas da ponte. Fazia supor que o gasto precisaria ser em prazo muito curto, o que levava a alegar falta de dinheiro pelo governo e apresentar a concessão como única saída. A empresa vencedora se ressarciria do gasto com a cobrança de pedágio.
Foi também o pedágio que pagou o financiamento externo para a construção da ponte. Concluído o pagamento, o pedágio continuou, a pretexto de custear a conservação, mas, na verdade, rendendo muito mais aos cofres públicos. De repente, em vez de ser rebaixado ao preço que não gerasse protestos, foi extinto. Se agora a ponte precisa de obras e sempre de conservação, o racional e adequado ao interesse público seria restabelecer o pedágio. Mas, já que se falou em interesse, o das empreiteiras é mais forte. E elas idealizaram a concessão, já com a natureza que dão às concorrências públicas.
Sob a mesma discrição com que se desenrolou, decidiu-se a licitação: as empreiteiras Andrade Gutierrez e Camargo Correa, consorciadas, ficaram com a exploração da ponte. Embora poucos, os números divulgados são suficientes para uma série de continhas interessantes. A partir do custo das obras, que dos propalados US$ 200 milhões, hoje R$ 170 milhões, caiu para menos de um terço –R$ 54 milhões ao longo de quatro anos, já referidos pela Andrade Gutierrez a "O Globo" antes de ganhar a concessão. E nem todo aquele valor é exigido por obras, incluindo também o custo de algumas sofisticações informáticas.
Pela densidade de trânsito na ponte divulgada ainda por Goldman, nela passavam a cada dia 100 mil veículos. Admitindo-se que todos pagassem o pedágio mais barato proposto pelas vencedoras da concessão, de R$ 0,78 para automóveis, em 22 meses e meio as empreiteiras-concessionárias já terão coletado, na própria ponte, o dinheiro para a obra a ser feita em 48 meses. Nos restantes 217 meses e meio da concessão, faturam R$ 516 milhões. Ou seja, aplicam na ponte 10% da renda, sem precisar pôr dinheiro próprio, e recolhem 90% aos seus cofres. Pode existir negócio melhor?
Pode. É a mesma concessão da ponte, mas com estimativa de trânsito atualizada: 150 mil veículos por dia. Mesmo tomando-se apenas o pedágio mais barato, sem considerar os de ônibus e caminhões, em apenas 15 meses as empreiteiras-concessionárias vão coletar o dinheiro para os 48 meses de obras. E recolhem o saldo de R$ 800 milhões.
Esta é a importância que o governo, feitas as obras da ponte, recolheria aos cofres públicos, para tantas finalidades inatendidas por suposta falta de recursos, se restabelecesse o seu próprio pedágio. É, ainda, a importância com que os transeuntes da ponte vão contribuir, a mais, para a concentração da renda da riqueza em poucas mãos, em vez de verem esse gasto aplicado em proveito da sociedade em geral.

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