São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994
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Coleção resgata primeira fase de Sinatra

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Uma overdose de Frank Sinatra, 78, está nas lojas. São 12 CDs, com toda a fase Columbia (1943-1952), completíssima (285 faixas), incluindo diversas gravações inéditas. Metade delas só havia sido lançada em 78 rpm.
Quem há quatro anos comprou os quatro CDs da antologia "The Voice, Frank Sinatra - The Columbia Years", também lançada pela Sony, pode passá-los adiante. A menos que se satisfaça com o que o cantor fez de melhor em sua segunda gravadora e prefira a próxima atração da Frank Sinatra Collection, dedicada à fase Capitol.
Esta, sim, merece ser comprada na íntegra. Na Capitol (1953-1962), bem mais maduro e servido por um arranjador genial (Nelson Riddle), Sinatra atingiu o seu apogeu.
Nos anos 40, ele ainda era um projeto de grande cantor, meio inseguro, e obtusamente sensível aos dissabores do dia-a-dia, sobretudo os de ordem afetiva. Já tinha uma bela voz, um timbre impecável, a dicção perfeita e fez a cama como ídolo das adolescentes. Daí a predominância em seu repertório de temas que falam de cantada, êxtases amorosos e dores-de-cotovelo, interpretados com cativante naturalidade, timidez e intimismo, embora sem a chispa inventiva de sua fase madura.
No período Columbia –para onde foi depois de passar pela Victor como "crooner" de Harry James e Tommy Dorsey–, Sinatra fez dupla com Doris Day, Dinah Shore e Rosemary Clooney, desbancou Bing Crosby, participou de 12 filmes, meteu-se em política (apoiando Roosevelt), envolveu-se com a Máfia, teve dois filhos, descasou-se da primeira mulher (Nancy), casou-se com a segunda (Ava Gardner), enriqueceu e quase acabou. Estava mesmo à beira do precipício quando se submeteu a vexames como "Mama Will Bark" (1951).
Só ouvindo para crer. "Mama Will Bark" (Mamãe Vai Latir) é uma vigarice caipira, que conta com a participação de uma atriz peituda, vulgar e sem voz (Dagmar) e de um imitador de latidos e rosnares (Donald Baine). Embuste urdido por Mitch Miller, talvez tenha sido o ponto mais baixo da carreira de Sinatra. Bem mais baixo que "Somethin' Stupid", aquele inominável dueto do cantor com sua filha Nancy, em 1967.
Já que estamos com a mão no lixo, cavuquemos um pouco mais. Além de baladas roceiras, Sinatra entregou-se a hinos religiosos enfadonhos, adotou temas incompatíveis com seu estilo ("Jingle Bells", "The Coffee Song"), aceitou parceiros sem pedigree (The Double Daters, putz!) e ainda não entrara em declínio quando enfrentou as marimbas de Xavier Cugat, em duas rumbas. Uma delas, "Stars in Your Eyes", de Lopez Menendez, é uma delícia cafona que muito me evoca a infância, em particular um programa radiofônico carioca comandado por Luiz de Carvalho nos anos 50.
Não custa repetir: o forte de Sinatra, em especial naquele período, eram as canções românticas. Várias continham ciclamato e foram, merecidamente, olvidadas. Outras, de nobre estirpe, como "Body and Soul", "Mean to Me", "Dream", "She's Funny That Way", "Nevertheless", "Embraceable You", "My Melancholy Baby", "Where or When", "I Concentrate On You", só não passam integralmente no teste quando Sinatra as interpreta de forma monocórdia. Em todo caso, preciosidades como "The Song Is You", "Night and Day", "Saturday Day" e "Guess I'll Have My Tears Out To Dry" só teriam suas gravações definitivas em meados da década de 50, com Nelson Riddle (e não mais Axel Stordahl) assinando os principais arranjos do cantor.
Grandes instrumentistas, muitos ligados ao jazz, como Ziggy Elman, Bobby Hackett, Will Bradley e Buddy Morrow, acompanharam Sinatra naquela época. Nenhum deles, porém, integrava a orquestra conduzida por Stordahl e acompanhada pelo coral de Ray Charles (o outro), quando, a 27 de março de 1951, o marido de Ava Gardner, ensandecido de paixão pela atriz, gravou um dos marcos de sua passagem pela Columbia: "I'm a Fool To Want You". Muitos a consideram a gravação mais dramática (ou sofrida) de Sinatra.
A mais irônica foi "Why Try To Change Me Now". Gravada a 17 de setembro de 1952, com ela o cantor despediu-se da Columbia. Ele de fato estava precisando mudar. E mudou. Para melhor. E logo em sua segunda gravação na Capitol ("I've Got the World On a String") deixou claro que de novo tinha o mundo nas mãos.
Sinatra emplacou 86 gravações da fase Columbia no "hit parade", 33 delas entre os "top ten". Três chegaram ao primeiro lugar entre 1946 e 1947: "Oh! What It Seemed To Be", "Five Minutes More" e "Mam'selle". Em 1951, os jovens olhos azuis despediram-se dos "dez mais" com "Castle Rock". Os sucessos seguintes, quatro ao todo até a transferência do cantor para a Capitol, não conseguiram ir além do 19º lugar: "I Hear a Rhapsody" (24º), "The Birth of the Blues" (19º), "Paris Blues" (30º) e "Bim Bam Baby" (20º). Só as duas primeiras ainda permanecem na memória dos seus fãs.

Coleção: The Frank Sinatra Collection
Lançamento: Sony
Preço: R$ 20 (o CD, em média)

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