São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994
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Kenneth Branagh revive espírito e atmosfera do romance gótico

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

"Mary Shelley's Frankstein", apesar de ser dirigido por Kenneth Branagh, é uma idéia concebida pelo diretor americano Francis Coppola, que assina a produção do filme. A idéia de Coppola é levar ao cinema alguns clássicos da literatura gótica, como ele mesmo já havia feito, com sua versão de "Drácula".
Como o próprio Branagh fala em entrevista à Folha, a idéia seria manter uma fidelidade ao espírito dos romances mais do que definitivamente sobre seus textos.
Um gótico que se traduz em uma crescente atmosfera de mistério –sempre o sobrenatural se unindo ao cotidiano– associada a um forte erotismo.
Um estilo nascido de uma decadente aristocracia européia, em fins do século 18 e início do 19, e que, como prova o diretor Kenneth Branagh, se ajusta perfeitamente ao espírito e a linguagem do cinema.
Folha - Com este título –"Mary Shelley's Frankenstein"– devemos esperar que seu filme seja uma versão fiel do texto de Mary Shelley?
Kenneth Branagh - Na medida em que isto foi útil para o filme, sim, fui fiel ao livro. Fui bastante fiel, se não à letra do texto, pelo menos ao espírito da obra dela. Meu filme começa e termina no Ártico, como o livro, dá voz à Criatura, como o livro, e mostra personagens que foram eliminados de outras versões do texto.
Mas sempre é preciso fazer mudanças na hora de se adaptar um texto para a tela e, neste caso, a mudança que fiz foi aumentar e dar mais força ao personagem de Elizabeth (Helena Bonham Carter) que, para mim, é a voz da própria Mary Shelley. Tenho certeza que, se ela estivesse escrevendo hoje, ela estaria criando personagens femininos fortes. Minha Elizabeth é um tributo à visão de Mary Shelley.
Folha - E com relação aos outros "Frankensteins" cinematográficos –seu filme se refere a eles ou, pelo contrário, tenta se manter à distância deles?
Branagh - Vi quase todos os outros filmes baseados no livro, mas creio que a única referência que faço em meu filme é a fala "está vivo!", um clássico brilhante dos filmes de terror –só que a frase é usada dentro de um contexto muito diferente.
Fora isso, procurei evitar sequer chegar perto do estilo e do território coberto pelos outros filmes – meu filme não é preto e branco, não é camp, como o aliás excelente "Bride of Frankenstein", e não é cômico como "Jovem Frankenstein".
Procurei fazer um romance gótico clássico, um filme de horror, sim, mas sem os elementos chocantes dos filmes de horror tipo B.
Folha - Seu filme, no entanto, é mais sanguinolento que qualquer outro "Frankenstein". Por quê?
Branagh - São principalmente referências ao parto, ao processo do nascimento, algo que fascinava e aterrorizava Mary Shelley – e, aos 19 anos, idade em ela escreveu "Frankenstein", ela tinha toda razão em temer o parto.
Sua mãe havia morrido de parto, ela mesma já havia perdido filhos no parto. Quis que o filme tivesse a mesma qualidade hipnótica, frenética, de seu texto – que se parece tantas vezes com um pesadelo, como algo que a possuiu, que se escreveu sozinho.
Folha - No que você acha que seu filme se diferencia dos outros "Frankensteins"?
Branagh - Creio que é mais íntimo, mais atento aos personagens e às implicações pessoais, familiares, existenciais de seus dramas.
"Frankenstein" é ao mesmo tempo uma tragédia doméstica e uma reflexão sobre nosso poder em interferir com o processo da criação da vida, uma reflexão que me parece ainda mais pertinente hoje. Ele é menos histérico e menos melodramático que os outros filmes –é o "Frankenstein" original, mas à luz de nossos dilemas atuais. (AMB)

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