São Paulo, sábado, 5 de novembro de 1994
Próximo Texto | Índice

A morte do tenente

O assassinato de um tenente do Exército, próximo a uma favela no Rio, anteontem, vem introduzir ainda mais um elemento complicador na já explosiva questão do combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado no Rio de Janeiro.
A Polícia Civil, como é seu dever, abriu inquérito para apurar a morte. Há informações, porém, de que o Exército resolveu conduzir suas próprias negociações. Face ao notório grau de corrupção que acomete as forças policiais fluminenses e às mostras de incapacidade delas de cumprir suas tarefas de forma adequada, a decisão militar parece acertada. Pode de fato assegurar um mínimo de confiabilidade às investigações.
Note-se contudo que essa é uma situação peculiar e extraordinária. Uma vez restaurada a normalidade institucional, o próprio papel da Justiça Militar deve ser revisto, e mesmo sua extinção considerada com seriedade.
Esse aspecto da volta à normalidade institucional aliás merece ser reiteradamente ressaltado. É imprescindível que toda a operação tenha seu prazo de duração claramente determinado e cumprido. Prolongar indefinidamente um arranjo destinado a ser apenas emergencial seria prejudicial tanto para as partes envolvidas como para o país.
Com relação ao assassinato propriamente dito, merece atenção agora a reação do Exército. O exemplo da polícia fluminense é tão recente quanto preocupante. Arrogando-se promotora, juíza e executora, decidiu há pouco responder a um ataque de traficantes contra um delegacia. Sua vendeta resultou na morte de 13 pessoas.
Felizmente, é de se esperar que as Forças Armadas se comportem de maneira mais civilizada que certos grupos da polícia, profundamente corrompida pelo seu contato com o crime e o tráfico.
Erradicar a cultura da brutalidade policial que leva a atos de vingança como o que se verificou no Rio, aliás, deve ser um dos objetivos da política para a segurança pública não só naquela cidade mas em também em São Paulo e em todo o país. Não se pode pretender vencer a anomia que vigora em partes do Brasil e estabelecer, na prática, um Estado de Direito se membros dos próprias órgãos encarregadas de fazê-lo não hesitam em colocar vinganças pessoais acima dos procedimentos legais e dos direitos dos cidadãos.

Próximo Texto: Um grito parado no ar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.