São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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Leia a íntegra do documento do Comando Militar do Leste

Leia os principais trechos do documento do Exército
1. FINALIDADE
Reunir e consolidar a experiência adquirida pelas Unidades do CML em exercícios e Operações Urbanas de Segurança Integrada em Áreas de favela.
2. REFERÊNCIAS
- Plano Alfa; Plano de Operações Diamante Azul; Operação Diamante/93; Operação Maré; Operação Turmalina; Operação Chatuba; Operação Fuzil; IP 31-17 (Dudi); Diretriz de instrução nº 05/P1j/CML, de 30 mar 90 (Organização e Instrução das F Op Esp de Def Int); Diretriz nº 05/P1j/CML, de 05 fev 91 (Instrução de Operações de Defesa Interna).
3. OBJETIVOS
a. Homogeneizar e difundir a experiência adquirida nas Operações Urbanas de Segurança Integrada em área de favela.
b. Orientar o planejamento do preparo e emprego da tropa em operações futuras.
c. Reunir subsídios para o estudo e a formulação doutrinária.
4. ANTECEDENTES
"O crime organizado, particularmente as quadrilhas de narcotraficantes do Grande Rio de Janeiro, valendo-se de técnicas próprias dos movimentos subversivos da década de 70, já adquiriu extensão e potencial suficientes para ameaçar a ordem jurídica e social, em aberto desafio ao estado, na essência de suas funções" (P1 Op Diamante Azul).
A responsabilidade da FT na segurança interna da ZSI-Leste, traduzida no Plano de Segurança Integrada, exige atenção especial dos Comandos subordinados para o planejamento do preparo e o emprego das Unidades empenhadas em operações dessa natureza, particularmente, na cidade do Rio de Janeiro.
Realizados em passado recente, alguns exercícios e operações serviram de laboratório para o treinamento da tropa e o desenvolvimento das idéias para a formulação de doutrina peculiar às operações em áreas de favela.
As Operações Diamante/93 e Turmalina/94 consistiram de exercícios de planejamento desencadeados em um quadro hipotético de intervenção federal, em face de grave comprometimento da ordem pública.
A Operação Maré/93, caracterizada pela ocupação e pacificação das favelas de Ramos e Roquete Pinto, tipificou a ingerência consentida da FT para neutralizar a ação do crime organizado em área contígua ao 24º BIB, que já havia provocado o ferimento de uma das sentinelas da Unidade.
As Operações Chatuba e Fuzil/94, realizadas nas favelas da Chatuba e do Fubá, respectivamente, visaram a recuperação de armas roubadas do Exército, em cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão da Justiça Militar.
Essas experiências suscitaram a discussão dos aspectos estratégicos, táticos e jurídicos do emprego da FT, que carecem de uma sistematização para favorecer a possibilidade futura de emprego de tropas do CML neste tipo de operação.
5. CARACTERIZÇÃO DA ÁREA DA FAVELA
a. Dados estatísticos do IBGE, relativos ao censo demográfico de 1991, indicam a existência de 449 áreas de favela na cidade do Rio de Janeiro, onde vivem 887.750 habitantes. Em face do grande crescimento dessas áreas, podemos admitir que os números apresentados já tenham sido superados, embora ainda possam servir como referencial.
b. As favelas se situam, basicamente, em dois tipos de terreno. O primeiro, plano e com algumas áreas alagadiças, pode ser caracterizado pelo complexo da Maré, entre a Av. Brasil e a Baía da Guanabara. O segundo, íngreme, é encontrado nas encostas dos morros da cidade, servindo de exemplo as favelas do maciço da Tijuca, como as do Borel e do Andaraí.
c. Em geral, essas áreas possuem construções de alvenaria baixas, com formato irregular e bastante adensadas, tendo como vias de cesso vielas e becos que serpenteiam entre as habitações. Uma vez no interior da favela, a observação e os campos de tiro são restritos e os efetivos empregados desaparecem no terreno.
d. As edificações, de um ou dois andares, oferecem boas cobertas e abrigos e, particularmente para o defensor, o tiro pode ser realizado em boas condições, havendo grande dificuldade para localização de sua origem.
e. As próprias construções constituem-se em obstáculos e as vielas e becos são, em alguns casos, sem saída, o que configura perigosas armadilhas ao pessoal que se desloca sem guias pela área.
f. Os pontos dominantes, normalmente nas lages das construções, constituem-se em Acidentes Capitais, cuja posse permite boa observação sobre as principais rotas de entrada e saída da favela.
g. Um mesmo conjunto topotático abriga, muitas vezes, mais de uma favela, possuindo inúmeras vias de acesso, estreitas e compartimentadas, que facilitam a entrada e a saída dos marginais e dificultam o desdobramento da tropa, que tem que progredir usando a formação em coluna.
6. PERFIL DO TRAFICANTE
a. Possuindo idade na faixa de 15 a 25 anos, o traficante normalmente morre cedo, vítima dos confrontos entre as próprias quadrilhas ou com a polícia.
b. Oriundo de camada social baixa, escolaridade correspondente ao 1º grau incompleto, estatura média inferior a 1,70m, peso na faixa de 60 a 70 kg, o traficante que reside nas favelas normalmente usa drogas.
c. Convivendo com a comunidade, não possui valores éticos e morais e impõe sua liderança pela força das armas, submetendo a população carente às suas ordens.
d. Os traficantes residentes nas favelas são chamados de "gerentes", "soldados" e "olheiros". Os "donos do movimento" e financiadores moram fora da favela e, em grande número de casos, não possuem comprometimento com a Polícia ou a Justiça.
7. ORIENTAÇÃO DO PLANEJAMENTO E EMPREGO
a. Considerações preliminares
1) As operações de combate ao crime organizado em áreas de favela desenvolvem-se segundo uma escala de intensidade crescente, que vai desde as ações de pequenos grupos (E1m PE, por exemplo), em cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão expedido pela Justiça Militar, até operações de grande envergadura, com tropas de valor brigada ou superior, em apoio à decretação do Estado de Sítio, quando são adotadas medidas operativas.
2) A perfeita identificação da gradação da operação permitirá adequada dosagem de meios para combater as Forças Adversas, que se homiziam no interior de uma comunidade carente e densamente concentrada.
3) O Plano Diamante Azul/CML trata, fundamentalmente, das medidas repressivas a serem adotadas em situação de NÃO-NORMALIDADE, com decretação de intervenção federal causada por grave comprometimento da ordem pública. O planejamento das Operações Diamante/93 e Turmalina/94 foi baseado em hipótese similar e as demais operações, Fuzil e Chatuba, desenvolveram-se em situação de normalidade, no cumprimento de Mandado da Justiça Militar.
4) Nas Operações de Segurança Integrada participam de forma destacada as expressões política e militar do Poder Nacional. É preciso recordar que uma vitória puramente militar pode se transformar em uma derrota política, o que requer profunda reflexão sobre a necessidade e intensidade da ação.
5) As IP 31-17 (Instruções Provisórias sobre as Operações Urbanas de Defesa Interna), embora não sejam específicas para as operações em ambiente de favela, proporcionam orientação perfeitamente válida a tropas que venham a ser empenhadas no combate à criminalidade nos grandes centros urbanos.
b. Aspectos doutrinários
1) Atuação da Tropa
a) A Tropa designada para Operações Urbanas de Segurança Integrada em área de favela utiliza os princípios doutrinários da contraguerrilha urbana preconizados nas IP 31-17, adaptados às peculiaridades do ambiente operacional.
b) A FT será empregada, em princípo, após o esgotamento da capacidade das Forças Policiais e deverá preservar, ao máximo, as suas características operacionais, para evitar o comprometimento do êxito da missão. A decisão de emprego pressupõe a aceitação de um modo de atuar específico, no qual preponderam as ações de combate e tipo polícia.
c) A conquista e a manutenção do apoio da população são fundamentais ao sucesso. A apresentação individual, o comportamento do Soldado e uma rígida disciplina de tiro, sem prejuízo para a ação militar, contribuem decisivamente para esse fim.
d) A utilização de tropas experientes, em sua maioria constituídas por profissionais (NB), é fator importante na superação das Forças Adversas homiziadas na área de favela.
2) Zona de Operações (ZOp)
a) A ZOp é normalmente definida no Decreto ou Diretriz Presidencial que determina o emprego das Forças Armadas, englobando a área necessária às operações, abrangida pelas medidas de exceção, caracterizando uma área sob administração militar.
b) Para o caso das ações em cumprimento de Mandado da Justiça Militar inexiste a configuração legal da ZOp e a operação é dirigida ao objetivo específico definido no Mandado da Justiça Militar.
c) Em qualquer situação, o planejamento deverá definir uma área vermelha que inclua os objetivos da ação a ser realizada. Esta área deverá ser fisicamente delimitada no terreno e possuir dimensões compatíveis com os efetivos disponíveis para a realização do cerco.
d) Na ZOp, quando estabelecida por decisão presidencial, serão realizadas, preponderantemente, Operações de Combate. Outras medidas poderão ser definidas como a restrição à circulação de pessoas a realização de busca e apreensão, as restrições à ação da imprensa o toque de recolher.
e) O Comando da ZOp será atribuído, normalmente, ao Cmt FChq empregada para pacificar a área.
3) Levantamento dos objetivos
a) É essencial ao desencadeamento das operações o prévio levantamento dos objetivos a serem conquistados. Regiões de homizio de marginais ligados ao crime organizado e locais de venda e distribuição de drogas serão as áreas mais comuns para constituírem os objetivos que deverão ser especificamente determinados pela Seção de Inteligência sob pena de ocorrer o fracasso da ação. Objetivos mal designados farão a operação "cair no vazio".
b) Poderá ocorrer o estabelecimento de uma missão cuja finalidade seja a pacificação de uma área liberada, quando os objetivos serão os acidentes que permitam o controle da área, além da ação direta sobre as Forças Adversas.
4) Organização e natureza da força
a) A FChq para o combate em Operações Urbanas de Segurança integrada em áreas de favela tem organização flexível e variada, sendo sua constituição em pessoal, prioritariamente, de elementos do NB.
b) Elementos da PE, Gd, FE, Bld, SSOp e PM, entre outros, poderão integrar a FChq.
c) A Dtz Instr Nº 005-P1j/CML, de 30 mar 90 (Organização Instrução das Fop Esp de Defesa Interna) e o Anexo "C" (Diretriz para Instrução de Forças de Operações Especiais para a defesa Interna) PBIM/93 orientam o preparo de uma FChq.
5) Ações básicas a serem executadas
a) As Operações Urbanas de Segurança Integrada em áreas de favela comportam, basicamente, as seguintes ações, que não são apresentadas em sequência de execução:
(1) Cerco da A Vm; (2) Interdição da ZOp; (3) Investimento na A Vm; (4) Vasculhamento da A Vm; (5) Manutenção da Ordem na ZOp; (6) Dissuasão;
(7) Ação psicológica.
b) CERCO
É a ação de envolvimento físico da A Vm pela tropa, com objetivo de impedir a saída das Forças Adversas ou de material (armamento, drogas, etc...): Para sua eficácia, deverá ser desencadeada com a máxima surpresa e, normalmente, preceder as demais ações.
A Linha de Cerco não deverá ter qualquer espaço desocupado com o objetivo de conter as Forças Adversas no seu interior. Não trata de bloqueio de vias de acesso, mas de isolamento físico da área. Nas principais vias de acesso para a população e na Linha de Cerco deverão ser instalados Postos de Triagem que possibilitem o controle de entrada ou saída da área.
A Linha de Cerco deverá ter perímetro compatível com o efetivo das tropas disponíveis.
Os Batalhões de Guardas e de Infantaria são as Unidades mais adequadas ao estabelecimento do Cerco. Elementos de PE deverão montar e operar os Postos de Triagem.
c) INTERDIÇÃO
É o bloqueio realizado entre os limites da ZOp e a Linha de Cerco, com a finalidade de controlar o trânsito de pessoas e veículos que entrem ou saiam da zona e propiciar o desdobramento com
segurança das instalações da tropa.

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