São Paulo, domingo, 13 de novembro de 1994
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As recentes eleições nos Estados Unidos

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Crie cidadãos", escreveu Rousseau sobre o contrato social, "e você terá tudo o que é preciso para a ordem política. Sem eles você não terá nada a não ser seres escravizados e de pouco valor; dos dirigentes públicos para baixo".
Os gregos ensinavam seus infantes que a política, como a cidadania, era "arte adquirida". Nenhuma cidade ou Estado seria forte se fosse fundada na ignorância e na alienação para com os assuntos públicos.
O que se aprendeu desde então –e hoje é tema de ponta nas discussões sobre o desenvolvimento econômico– é a importância dos grupos sociais, do conhecimento e da criatividade. Não se nasce cidadão, mas pode-se aprender a sê-lo. Cidadania se aprende com a co-participação na resolução dos problemas coletivos.
Tivemos na semana passada, aqui nos Estados Unidos, a importante eleição para o Congresso e governo de Estados. O partido Republicano obteve uma notável vitória e pela primeira vez desde 1948 vai ter maioria, tanto na Câmara quanto no Senado.
Basicamente, repetiu-se o clima de desagrado com os problemas do país que derrotaram o ex-presidente George Bush em 1992: a falta de empregos com bons salários para a classe média, a sensação de alarme com o crescimento da violência e criminalidade, a oposição ao "establishment" de Washington e ao governo grande.
O voto foi de descontentamento com o governo Clinton. O presidente americano desagradou a muitos com os compromissos que teve de fazer para reduzir o déficit público (inclusive aumentando impostos). Ao mesmo tempo, não conseguiu mobilizar a população com uma agenda imaginativa.
A principal iniciativa doméstica do governo Clinton foi o projeto de reforma do sistema de seguro-saúde, para poder incluir os que não têm cobertura assistencial. No entanto, a proposta anunciada era mastodonticamente complexa e reproduzia a filosofia de um governo grande. Hoje, esse programa não tem mais chances.
É interessante anotar alguns fatores que podem ter repercussão no Brasil. Em primeiro lugar, com o novo Congresso provavelmente a apreciação do acordo de livre-comércio do Gatt será postergada e será de difícil aprovação.
O novo Gatt tem despertado forte oposição em dois campos. Causam muita preocupação as importações de países que abusam das condições trabalhistas, tais como o uso do trabalho infantil ou semi-escravo, ou que não observem a proteção ambiental necessária.
Por outro lado, a criação da Organização Mundial do Comércio, com poder regulatório sobre vários capítulos do comércio internacional, é apontada como algo que poderia sobrepassar a soberania americana, o que não se aceita.
Com o cenário político que está emergindo, a criação de um bloco de livre-comércio das Américas é outro tema que ficará dormente. A aprovação do Nafta (acordo de livre-comércio entre Estados Unidos, Canadá e México) causou muita dor-de-cabeça e vai ficar como está.
O prezado professor Bresser Pereira, que defendia a opção de integração comercial das Américas para o Brasil, embora conceitualmente correto, deve anotar que o clima político aqui é contrário.
O Chile, por sua vez, que aguardava ser incluído no Nafta, pode procurar outras parcerias, pois a porta está fechada. Há aqui uma oportunidade para a diplomacia brasileira: deveria procurar uma ampliação mais rápida do Mercosul para países como o Chile, Colômbia, Peru e Bolívia, consolidando uma zona de livre-comércio no continente e estabelecendo sua liderança.
Uma das melhores apreciações sobre o significado dessas eleições foi feita por Howard Baker, ex-chefe da casa civil no governo Bush. "O país está em uma rebelião gentil", disse ao "New York Times", "e penso que assim esteja há já dois ou três ciclos eleitorais. As pessoas estão enfocando sua raiva em algumas coisas mas, principalmente, estão expressando sua insatisfação com a ordem existente. Se não soubermos dar resposta a isso, vamos solapar nossas instituições".
Em democracia é assim. O eleitorado americano sentiu que muitas das promessas de Clinton de renovar a vida civil e reformar o governo simplesmente não estavam ocorrendo. Em consequência, votou como se viu.

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