São Paulo, segunda-feira, 14 de novembro de 1994
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Balas achadas

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Nesses tempos em que as notícias sobre a violência no Rio irrompem aos borbotões nos monitores de TV instalados em nossas casas, somos bombardeados com uma expressão de uso cada vez mais recorrente.
A novidade linguística compõe-se de dois vocábulos: "Bala perdida". Falamos, obviamente, do projétil de metal arredondado, que serve de munição às armas de fogo. A palavra "perdida" tem, na expressão que analisamos, o seu significado mais usual, ou seja, sumida, desaparecida.
No Rio, chama-se de "bala perdida" aquela munição que, disparada por policiais ou bandidos nos frequentíssimos tiroteios que agitam a cidade, não chegam a atingir o alvo desejado.
Ora, há uma gritante inadequação no manejo da língua de Camões. Embora pouco certeiras, errantes mesmo, nem todas as balas de que tratamos neste artigo merecem a qualificação de "perdidas".
Tome-se um exemplo oferecido pela tragédia carioca na última quinta-feira. Policiais militares perseguiram quatro suspeitos em fuga, ao pé do morro da Minerva. O chumbo trocado produziu algumas dúzias de supostas "balas perdidas".
Uma delas foi encontrada na cabeça da estudante Lidiane Paes da Silva, uma criança de 13 anos, grávida de três meses, morta no tiroteio.
O exame de balística demonstrou que a bala, neste caso uma "bala achada", foi cuspida pelo cano da arma de um dos policiais.
As estatísticas indicam que há no Rio, só neste ano, pelo menos mais 16 "balas achadas" no interior de corpos inocentes. Não há, portanto, apenas balas, mas também atiradores perdidos. É preciso encontrá-los e prendê-los, sejam bandidos ou policiais.
Como o cirurgião que não possui afinidade com o bisturi ou o motorista barbeiro, o policial que usa mal a sua arma deve trocar de profissão. Do contrário, pode virar assassino.

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